Foi fundado o Movimento Educação Democrática. A iniciativa é um desdobramento do ‘Professores contra o Escola sem Partido’, criado há dois anos para combater o crescente conservadorismo nas políticas educacionais.O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fernando Penna, tem sido, nos últimos anos, um dos principais porta-vozes do movimento Professores contra o Escola sem Partido. Criado com o objetivo de se contrapor ao movimento cujas ideias ganharam notoriedade em meio a uma crise de representatividade que tem entre seus principais alvos os partidos políticos, o Professores contra o Escola sem Partido tem sido presença certa em debates, seminários e audiências públicas para debater e alertar sobre a ameaça representada pelas propostas do Escola sem Partido. Mas o contexto hoje é outro. O que antes eram ameaças de retrocessos ganharam concretude, principalmente após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A reforma do ensino médio, sancionada em fevereiro deste ano e originalmente apresentada pelo governo Michel Temer como uma medida provisória, talvez seja o maior exemplo disso. Foi pensando na necessidade de ampliação do escopo de atuação e da pauta do movimento originalmente criado para se contrapor ao Escola sem Partido que foi lançado, no final de junho, o Movimento Educação Democrática. Nesta entrevista, Fernando Penna fala sobre as principais ameaças ao que entende como educação democrática hoje no país, faz um balanço da atuação do movimento encabeçado por ele na luta contra o avanço das pautas conservadoras na educação e defende a necessidade de uma atuação mais propositiva dos grupos que defendem uma concepção democrática de educação.

A entrevista é de André Antunes, publicada por EPSJV/Fiocruz, 29-06-2017.

Eis a entrevista.

Em que sentido a criação do Movimento Educação Democrática é um desdobramento da articulação contra o projeto do Escola sem Partido?

O Movimento é uma tentativa de dar um caráter mais institucional ao que nós já fazemos há pelo menos dois anos. Em 2015 eu tomei conhecimento da existência do projeto Escola sem Partido na Câmara dos Deputados, que é o PL 867/2015. Naquele momento ninguém levava muito a sério esse projeto. Corri atrás e vi que ele não era o único, aquilo me assustou. Descobri que não era um caso específico, mas um movimento amplo de tentativa pelo controle e redução da dimensão educacional da escola. Comecei a conversar com colegas e, para minha surpresa, quase ninguém sabia da existência desses projetos – que inclusive estavam recebendo pareceres positivos da Comissão Permanente de Educação da Câmara, indicando que tinham chance de ser aprovados. Aí começou a surgir um embrião desse movimento, principalmente entre professores e alunos da UFF, que foi chamado Liberdade para Educar. Mas o que percebemos é que naquele momento Liberdade para Educar era algo que poucos iam buscar. A maioria das pessoas que estavam se inteirando da existência do projeto buscavam na internet por Escola sem Partido. Então fizemos uma opção estratégica: adotar um nome que fosse um contraponto, chamando a atenção dessas pessoas. E aí surgiu o movimento Professores contra o Escola sem Partido. Quando a gente assumiu esse nome conseguimos nos institucionalizar como contraponto. Só que durante esses dois primeiros anos o movimento foi muito reativo, até porque quando a gente começa esse movimento de crítica, o Escola sem Partido está em ascensão, já tendo conquistado um público muito grande. Avaliamos que, agora, precisamos institucionalizar nosso movimento de forma a facilitar o contato entre pessoas que querem fazer oposição não só ao Escola sem Partido, mas a todos os outros projetos que ameaçam o que entendemos por educação democrática.

 

Como vai se dar essa ampliação de escopo?

Em dois sentidos: no escopo de atuação e no escopo dos projetos que enfrentamos. Com relação à atuação, a princípio a finalidade é criar essa rede de contatos no Brasil e articular resistência em diversos estados com mais agilidade. Agora as pessoas vão poder se associar formalmente ao movimento. Diferente de outras entidades como Anped [Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação], que são científicas, o Movimento Educação Democrática vai ser uma associação de mobilização. Vai envolver também a discussão acadêmica, mas o foco é articular a discussão teórica com a atuação política. A gente não pode produzir artigos sobre isso e ao mesmo tempo não mobilizar as pessoas para a luta. Os acadêmicos – e eu falo como professor universitário – quando se defrontam com um problema desse tipo, têm a tendência de produzir artigos, eventos acadêmicos. Acredito que cada vez mais temos que investir na produção de um discurso que vá além das instituições de ensino. Esse é o desafio.

 

E com relação à pauta?

Começamos com a discussão específica do Escola sem Partido e, ao longo do tempo, percebemos outra frente – que talvez seja maior –, que é a tentativa de proibir a discussão de gênero nas escolas. O Escola sem Partido ganha espaço quando adere a essa pauta, mas os primeiros projetos de lei deles nem mencionam gênero. A discussão específica de gênero tem sido utilizada com fins políticos. Um uso político do medo. Você cria um verdadeiro pânico moral: diz que a discussão de gênero tem como objetivo destruir a família tradicional, ensinar sexo para as crianças, etc. Isso tem se configurado como uma estratégia eficaz para arregimentar pessoas que não conhecem a discussão educacional, que não conhecem a realidade escolar. E que, por não conhecerem, ficam assustadas. Com isso, eles conseguem uma mobilização muito grande.

Outra coisa que nos incomodou no último ano foi a maneira pouco democrática como têm sido constituídas as políticas públicas educacionais. O melhor exemplo é a implementação da reforma do ensino médio através de uma medida provisória. Então, também queremos lutar por políticas públicas que envolvam professores e sociedade civil de uma maneira mais ampla. Com a criação do Movimento Educação Democrática queremos fazer uma virada e adotar posturas mais propositivas, ao invés de só nos posicionarmos ‘contra’. E avançar no esforço de definição do que seria essa educação democrática que defendemos.

 

Acredita que o movimento de professores e estudantes teve êxito em mobilizar a sociedade contra as propostas do Escola sem Partido?

Acredito que sim. O sucesso não é total, claro. Sempre que um projeto [de lei] é apresentado, tentamos nos posicionar nas audiências públicas, pressionar os legislativos. Por exemplo, no Rio de Janeiro eles já tentaram colocar o projeto para votação várias vezes, mas em todos os momentos mobilizamos professores e fomos à Câmara Municipal demonstrar nossa insatisfação. E nossa presença tem sido muito importante – não só no Rio, mas no Brasil inteiro – porque, para minha surpresa, muitos vereadores e deputados estaduais apoiam o projeto sem nem ao menos ter lido. Uma das vezes que fomos à Câmara do Rio, um vereador se virou para as galerias e disse: ‘Não se preocupem, eu vou votar contra o projeto, eu assinei sem ler’. Admitiu isso em público. Então nossa presença nesses espaços tem sido importante porque, caso contrário, a tendência é que esses projetos sejam aprovados até por unanimidade.

O segundo ponto é que o Escola sem Partido, que surgiu em 2004, conseguiu canalizar ideias que já existiam, algumas vindas da época da ditadura: do professor como ‘comunista’, por exemplo. O Miguel Nagib [criador do movimento] chegou a comparar professores com estupradores em uma audiência pública. Chama professor de ‘sequestrador intelectual’, de ‘traficante de ideologias’. Esse discurso tem sido compartilhado por uma parcela significativa da sociedade. Então nossa tarefa também é produzir um contradiscurso problematizando o que é dito pelo Escola sem Partido. E eu acho que nesse sentido a gente tem tido sucesso também.

 

Quais os projetos de lei que tramitam no Congresso relacionados às pautas do Escola sem Partido que ainda são foco de preocupação?

A maioria está concentrada na Câmara dos Deputados. O projeto mais antigo é o 7.180/2014. A ele foram apensados [anexados] outros projetos que tramitam em conjunto. Eles criaram uma comissão especial para discuti-los na Câmara, e a imensa maioria de deputados é favorável. A pouca oposição que eles têm dentro da comissão aponta que já existe um parecer pronto, estão fazendo esse processo todo para legitimar a decisão. Os projetos partem de uma base comum, que é uma tentativa de se apropriar de um elemento especifico da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que em seu 120 artigo fala sobre a liberdade de crença e consciência e tem um inciso que diz o seguinte: os pais e, quando for o caso, os tutores têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas convicções. O Escola sem Partido tenta interpretar esse artigo de maneira que afirme que a escola não deve educar; que quem educa é a família, quem educa é a religião. E a escola deve apenas instruir.

Um projeto que não foi apensado é o 1.411/15, de autoria do deputado Rogério Marinho, que alterava o Código Penal para criar um novo crime: o assédio ideológico. Eles não apensaram porque esse projeto era o único que tinha uma criminalização explícita do professor. Era um projeto muito mal escrito que poderia levar professores para a cadeia por até um ano e meio. O Escola sem Partido queria evitar a crítica de criminalização dos professores. Foi uma exclusão estratégica. Há ainda outros dois projetos que tentam proibir a discussão de gênero, sendo um deles bastante literal: quer proibir o uso do termo gênero. Nem em gênero discursivo vai poder mais se falar na escola. É uma loucura.

 

A reforma do ensino médio sancionada em fevereiro colocou novos problemas nesse cenário de retrocessos na educação?

A gente enfrenta duas naturezas de projeto. A que poderíamos classificar de ultraconservadora tem como foco essa questão dos valores morais. Além disso, temos iniciativas de caráter neoliberal patrocinadas por grupos que acreditam que a melhor maneira de lidar com a educação pública é usar um modelo de gestão característico da empresa privada. Esses dois grupos nem sempre convergem. Eu vejo a reforma do ensino médio dentro desse segundo grupo, que defende políticas mais neoliberais e quer abrir a escola pública aos interesses privados.Dito isto, a reforma do ensino médio foi apresentada por uma medida provisória. Ela foi imposta como medida provisória e aprovada muito rapidamente, com brechas gravíssimas. Não estamos negando a necessidade de uma reforma, mas a grande pergunta é: era esta a reforma que queríamos ou precisávamos? Nunca saberemos porque não tivemos um debate amplo. Como movimento queremos participar dos processos de construção de políticas públicas e exigir que as mudanças na educação aconteçam de uma maneira democrática.

 

O governo brasileiro respondeu recentemente a questionamentos feitos pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre o Escola sem Partido. A ONU alertou que a proposta poderia representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aula e uma “censura significativa”. O governo Temer alegou que os debates sobre projetos de lei propostos pelo Escola sem Partido “ocorreram de acordo com as regras e o espírito de democracia e no ‘lugar’ institucional adequado, ou seja, o Congresso Nacional”. Qual é sua avaliação?

Alguns movimentos da sociedade civil, dentre eles a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos foram à Genebra denunciar o Escola sem Partido e a exclusão da temática de gênero na Base Nacional Curricular Comum. E a ONU então produziu um documento cobrando do governo brasileiro uma resposta, em que a principal acusação é que se trataria de uma “limitação indevida da liberdade de expressão dos professores”. O curioso é que é mais grave do que isso. Se você olhar, todos os projetos afirmam que o professor, no exercício da sua atividade profissional, não tem liberdade de expressão. É mais grave do que limitar a liberdade de expressão do professor dentro de sala de aula: é negá-la explicitamente. Então a ONU fez esse questionamento ao governo brasileiro, que respondeu de uma maneira muito indireta. Foi uma nota muito tímida do ponto de vista da divulgação, e também do ponto de vista do conteúdo. Eles não responderam às críticas e às perguntas que foram feitas. O governo brasileiro não respondeu ao questionamento principal que é dizer se ele é ou não uma limitação indevida da liberdade de expressão do professor, simplesmente se limitou a dizer que o projeto está tramitando dentro da normalidade – o que é verdade, do ponto de vista burocrático. Tem um terceiro ponto que eu acho importante destacar: em uma audiência que aconteceu recentemente em Niterói, o advogado Miguel Nagib falou explicitamente o seguinte: ‘Vocês estão se fiando muito na inconstitucionalidade do projeto. Essas ações diretas de inconstitucionalidade [Adins] às vezes levam décadas para serem julgadas´. Enquanto isso a proposta deles é aprovar o projeto no Brasil inteiro. E nesse ponto ele tem razão. Se um projeto desse tipo é apresentado e a comissão específica da casa legislativa não reconhece nele um projeto inconstitucional, ele pode ser aprovado e transformado em lei.

 

Como avalia a atuação do Judiciário no contexto da luta contra as pautas conservadoras na educação?

O Judiciário, como todas as outras instituições, é muito heterogêneo. Então depende de com quem você está lidando. Mas a atuação do Judiciário tem sido importante. A PGR [Procuradoria Geral da República] se posicionou contra o Escola sem Partido, reconhecendo a sua inconstitucionalidade em ações diretas [Adins] com relação à lei de Alagoas, e recentemente fez um movimento questionando várias leis municipais Brasil afora que proibiam a discussão de gênero. E agora o [ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto] Barroso suspendeu uma lei específica do Paraná. Eu acho que esse é um movimento importante para colocar a inconstitucionalidade desses projetos, não só do Escola sem Partido, mas de todos que querem efetivamente proibir a discussão de uma temática que, mais do que legítima, é necessária. A discussão de gênero visa combater desigualdades de gênero como homofobia, machismo, transfobia, etc. que causam muito sofrimento aos estudantes que sofrem preconceitos.

Agora, ao mesmo tempo que essa disputa é legal, é também pela opinião pública. O grande problema é que o discurso do Escola sem Partido tem sido compartilhado por uma parcela significativa da sociedade brasileira, fazendo uso do desconhecimento das pessoas sobre o que é a discussão de gênero e como funciona uma escola. Quem conhece a discussão educacional sabe que isso é absurdo. Enquanto estamos tendo avanços no Judiciário com relação à inconstitucionalidade dos projetos, o debate na opinião pública ainda tem repercutido muito os argumentos do movimento Escola sem Partido e similares. Eu acho que o debate no espaço público também tem que ser o nosso foco. Temos que nos contrapor a esse discurso com uma argumentação fundamentada mostrando os equívocos do Escola sem Partido e dos outros movimentos conservadores.

 

O MEC chegou a retirar da última versão da Base Nacional Curricular Comum, referências à identidade de gênero e orientação sexual do rol de preconceitos que deveriam ser combatidos dentro do ambiente escolar. Como avalia o caso?

É um absurdo. O Brasil é signatário de vários documentos internacionais em que se compromete a combater a desigualdade de gênero. E a legislação brasileira, como por exemplo os Parâmetros Curriculares Nacionais, tem como um dos temas transversais a sexualidade e a orientação sexual. Então é um desrespeito à nossa legislação, a compromissos firmados internacionalmente. Educacionalmente também é absurdo. Essa tentativa de proibir a discussão de gênero na sala de aula é muito cruel. Essa é uma forma de desigualdade, de preconceito, que tem vítimas concretas, causa dor real e leva à morte de pessoas. Então defender explicitamente que temas como esse não podem ser discutidos é uma ameaça a uma sociedade democrática que tem que combater todas as formas de desigualdade. O MEC tem cedido a bancadas parlamentares – e aí não é só da bancada evangélica, é da bancada cristã de maneira geral – que têm feito uma pressão muito grande pela exclusão da temática de gênero.

 

A primeira audiência pública para discussão da versão mais recente da BNCC está marcada para o dia 7 de julho. Tendo como base o que você entende como educação democrática, você identifica problemas hoje no texto da BNCC?

O que nós tivemos recentemente foi a divulgação de uma BNCC que, primeiro, não apresentou o documento do ensino médio, que está sendo reformulado para se adaptar à reforma do ensino médio, o que já coloca em questão todo os elementos democráticos do processo anterior. Quem garante que essa equipe que vai fazer esse trabalho vai levar em consideração todos os debates anteriores? E no documento que nós conhecemos, que é do infantil e do fundamental, uma temática essencial que é a discussão de gênero foi removida, o que é muito grave.

O documento é muito problemático. É prescritivo e abre espaço para a implementação na educação de uma cultura da mensuração. Inclusive a reforma do ensino médio fala nisso, que os padrões de desempenho vão ter como base a BNCC. Mas a reforma do ensino médio fala não só sobre a BNCC, que atinge toda a educação básica, mas também sobre a formação de professores, e dentro disso ele coloca a BNCC como documento obrigatório, que vai pautar todas os cursos de licenciatura no Brasil. Então é importante contextualizá-la em uma configuração de políticas públicas mais amplas, e dentro dessa configuração o documento é muito preocupante. A gente possui uma reforma consolidada em lei que tem como base um documento que nós, literalmente, não conhecemos. Tudo isso depõe contra o caráter democrático desse processo – que de democrático não tem nada.

 

Como vê a relação entre a ascensão dessa pauta da ultradireita na educação nos últimos anos com a crise política que atravessamos no Brasil? E como fica essa relação diante do cenário atual, de aprofundamento da crise, que já coloca em risco a permanência do presidente Michel Temer?

A crise pode ir por diversos caminhos. Pode haver a queda do governo Temer e um processo de eleições diretas que mobilize as pessoas, com candidaturas e programas diferentes. É um caminho possível. Mas outro caminho possível frente a crise é a permanência do governo Temer, com essas denúncias cada vez mais comuns de corrupção em quase todos os partidos, esse processo de descrença na participação política. Porque quando você vê toda a classe política como corrupta, abre espaço para políticos de extrema direita que se apresentam como não políticos. E aí temos exemplos como o [Donald] Trump, que se colocou ao longo de toda a eleição à presidência dos Estados Unidos como um não político, o [João] Dória [prefeito de São Paulo], o [Jair] Bolsonaro [deputado federal]. Esse contexto fragiliza todo o processo democrático. Então a grande questão é se essa crise vai gerar um engajamento político, uma tentativa de reconstrução e respeito às opções divergentes, ou se vai agravar ainda mais a crise de representatividade e abrir espaço para propostas conservadoras ainda mais radicais.

 

Fonte: IHU

 

2 Comentários

  1. O que não pode haver é escola com partido ou ideologia política radical, que não admite diferenças de idéias. Escola em que as crianças – desde os 6 anos – são ensinadas a falar “Fora Temer” e negar as diferenças entre os sexos; não ter acesso a comemorações cívicas porque “os portugueses mataram indios”; os brancos escravizaram os negros; etc… e também não podem ter comemorações sociais porque “nem todas as crianças tem mães …ou pais; que são comemorações comerciais…mas festejam o dia da diversidade cultural; o Halloween… enfim…muitos questionamentos. O que precisamos é que as crianças aprendam a pensar, viver e também os conteúdos que servirão de base para o futuro adulto trabalhador. A educação deve ser em casa. Na escola é para aprender. Os professores estão lá para isso. Ou devem se dedicar à carreira política onde os discursos ideológicos são aceitos e desejáveis.

  2. MANIFESTO POR UM PROJETO DE ESCOLA QUE FORME PARA A DEMOCRACIA
    A educação brasileira, mesmo antes do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, apostou em um projeto de educação que “dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana” (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932). Os projetos alternativos como a educação popular ou a educação integral propalada por grandes educadores brasileiros nos anos 1950 e início dos 1960, propunham também, a seus modos, a formação das consciências, nos processos educativos formais ou não, para uma participação mais efetiva dos cidadãos e das cidadãs na sociedade reforçando as idéias de liberdade e autonomia. O que não previam é que um Golpe de Estado civil-militar, em 1964, fosse tão intenso e tão duro para a sociedade brasileira, que durasse tanto tempo, e fosse capaz de frear os projetos educativos no campo crítico estimulando, cada vez mais, a escola dual.
    Foram quase 30 anos de Ditadura Civil Militar. Um projeto claro de destruição da escola pública brasileira e de desvalorização da educação e dos(as) professores(as). Não que a escola daquele período garantisse educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todos e todas. Era ainda inacessível a grande maioria. O projeto instalado foi de ampliação da oferta, associado ao processo de industrialização crescente, mas, ao mesmo tempo, de desqualificação, isto é, enorme empobrecimento técnico, material e político. O modelo de educação implantada era “miserável, incompetente, despreparada para lidar com os filhos dos trabalhadores.” (FRENTE BRASIL POPULAR, 1989)
    Para a retomada do debate crítico levantaram-se inúmeras vozes de educadores que propuseram a democratização do ensino como o caminho de superação dos limites impostos, tanto pela escola inacessível para todos, antes do Golpe Civil-Militar, como pela escola desqualificada implantada a partir dos acordos MEC-USAID.
    Se de um lado, era necessário democratizar o País no plano econômico e político, de outro, a valorização do magistério e da escola pública era condição para a melhoria da oferta e a garantia de adesão ao projeto de democratização da educação: “garantindo-se o acesso universal a escola, a permanência para os que nela ingressam e o controle social pela população a qual serve.”
    As resistências sempre foram grandes na sociedade e no âmbito do Estado. Mesmo enfrentando o trabalho árduo, sabia-se que os resultados não seriam percebidos em curto prazo. Os movimentos sociais e os principais autores do campo crítico da educação chamaram a atenção para o elemento chave para o processo formativo das novas gerações. Denunciavam que não era suficiente a democratização dos processos de tomada de decisão e controle das instituições escolares e dos sistemas de ensino. Era preciso democratizar o conhecimento. Buscar uma adequação pedagógico-didática ao público presente em cada unidade escolar garantindo-lhes acesso ao conhecimento, ao “saber e o saber-fazer críticos como pré-condição para sua participação em outras instâncias da vida social, inclusive para a melhoria de suas condições de vida.” (JOSÉ CARLOS LIBÂNEO, 1992) A proposta apresentada ganhou terreno a medida em que se percebeu que com o acesso aos conhecimentos sistematizados pelas camadas populares, estas, poderiam, melhorar sua compreensão da realidade e provocar intervenções críticas produzindo, assim, um processo de mudança qualitativa na sociedade.
    Pois é neste período, em que vivemos as conseqüências nefastas de um novo Golpe de Estado, desta vez jurídico-midiático-parlamentar, um “golpe” sem canhões e sem armas, mas que libertou o fascismo mais odioso com seus vieses machistas, homofóbicos, misógenos, fundamentalistas e que tem no movimento “escola sem partido” e nas denúncias contra uma hipotética “ideologia de gênero” a sua face perversa presente nos movimentos da educação disputando seus rumos, inclusive nas Conferências de Educação, que devemos retomar o PROJETO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA.
    Reafirmamos a necessidade de garantir o acesso, a permanência com sucesso e o controle social da escola através da gestão democrática. Mas, também, afirmamos como imperativo para nosso plano civilizatório a formação humana para um projeto democrático de sociedade, isto é, novas metodologias, novas práticas democráticas de ensino, novos arranjos didáticos que criem espaços para o exercício da democracia e que, por isso, formem para os valores democráticos e, motivem os(as) estudantes a defendê-la como valor universal!
    Não há formação para a democracia em escolas, em disciplinas, ou aulas autoritárias. Democracia não é abstração, muito menos um projeto para o futuro. A escola democrática forma para a autonomia e para a liberdade, individual e coletiva. Não pode haver dúvida sobre a necessidade da democracia para o projeto de emancipação humana. Por isso a escola democrática é inclusiva, respeita a diversidade presente na comunidade escolar. Para além do sufrágio, democracia é prática cotidiana na forma de conviver em sociedade com respeito e aceitação das diferenças, acesso aos bens culturais e às políticas públicas.
    A escola pública que tanto avançou no processo de democratização da gestão, do acesso a escola e ao conhecimento, pecou, depois da triste experiência de 1964, em não se constituir como instrumento da construção, ensino e exercício da democracia. Não devemos esperar o terceiro golpe para fortalecer, desde a infância na escola, o amor e o respeito à democracia como valor universal, como possibilidade de emancipação!
    Professor Luiz Alexandre Oxley da Rocha (UFES)

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