“A vida não é mais do que uma contínua sucessão de oportunidades para sobreviver” (Gabriel Garcia Marquez)

São muitos os sentimentos, as conclusões e as expectativas geradas a partir da tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria, no RS. A tragédia que já vitimou 237 jovens estudantes pode e deve servir para que a sociedade gaúcha e brasileira como uma oportunidade cidadã para cobrar maior segurança em todos os espaços públicos. É certo que não poderemos evitar todas as tragédias humanas, mas há tragédias que podem ser evitadas, em função dos riscos e as probabilidades das mesmas acontecerem. O que a cidadania não pode tolerar é que, ao que tudo indica, houve uma sequência de negligências que resultam nesta triste e dolorosa tragédia, negligências estas praticadas por órgãos públicos e por pessoas que colocaram como interesse maior o lucro e ganhos financeiros acima dos procedimentos de segurança.

A comoção social é fator importante para impulsionarmos avanços de cidadania e direitos. O que pode parecer oportunismo é, na verdade, a grande oportunidade para exigir melhores condições de segurança para o entretenimento e cobrança de responsabilidades. Se a sociedade não se organiza para cobrar medidas efetivas agora, com certeza o tempo se encarregará do esquecimento. Se os jovens não cobrarem condições de segurança em todas as edificações que reúnem grandes públicos para o entretenimento e diversão, continuarão vulneráveis, como sempre, em sua segurança e proteção. Se os pais e mães não ampliarem o seu olhar de segurança sobre as escolas, os clubes, as praças, os ginásios, as ruas, as rodovias, o transporte público continuarão deixando seus filhos e filhas expostos a grandes riscos à sua vida e dignidade.

Segurança tem de ser tratada como um problema público, garantindo a todos e a todas as condições de proteção e sobrevivência. Importa, então, que compreendamos a necessidade de termos mais segurança, em todos os aspectos, modos e lugares. Não dá para ignorar as tragédias silenciosas e diárias do nosso trânsito que mata em números iguais ou superiores aos de uma guerra. Não dá para esquecer a violência silenciosa e covarde cometida contra os mais vulneráveis e frágeis: nossas crianças, nossos idosos e nossas idosas. Não ignoremos a estúpida violência de gênero, praticada contra as mulheres. Não é possível deixar de falar da violência e agressões originadas pelo mundo das drogas e do tráfico, que destroça milhares de famílias brasileiras.

Praticamos no Brasil uma “cultura de tolerância e negligenciamento”, que resulta em grandes tragédias, nem sempre tão visíveis e claras. Muitos de nós toleramos situações, fatos ou atitudes que representam graves e sérios riscos à gente e aos demais. Por preguiça, medo ou acomodação, não exigimos e não cobramos dos demais e nem dos órgãos competentes ações que preservem a vida, antes de agredi-la. Antes tarde que mais tarde, podemos acordar de nossa apática cidadania.

Uma grande tragédia pode ser um convite generoso para cuidarmos melhor das nossas vidas e das vidas alheias. A compaixão, este sentimento de colocar-se no lugar do outro que sofre, pode ser um exercício de cidadania ativa, que nos faça todos capazes de defender a vida, sempre que ela correr riscos. Como já disse Anatole France, “a compaixão é que nos torna verdadeiramente humanos e impede que nos transformemos em pedra, como os monstros de impiedade das lendas”.

 

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