Em tempos em que a democracia brasileira vive seu golpe mais forte desde 1964, falar de reforma agrária não é tarefa fácil. Na verdade, nunca foi. Questionar a grande propriedade improdutiva, o latifúndio, a exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, as grandes monoculturas em um país historicamente vendido às oligarquias nunca será fácil.

Para entendermos melhor como esse sistema todo funciona, é interessante voltar no tempo. Nossa sociedade, desde a famosa Revolução Francesa, com todos seus méritos e deméritos, santificou um direito, que, talvez naquela época, fosse de fato muito importante: a propriedade. O direito do cidadão – sim, o cidadão homem – ter e proteger a sua propriedade.

Infelizmente, a base do nosso sistema continua a mesma: patrimonialista. Preceitos esses que pautam não só a maneira como nos relacionamos com as coisas, mas também com as pessoas. Dizer que o MST “invadiu” e não “ocupou” uma terra é reflexo disso. Tratar o outro ou a outra como um objeto e não como sujeito também é reflexo disso. Por isso, pensar em relativizar a propriedade alheia, mesmo improdutiva, com trabalho escravo, do latifúndio, é quase uma heresia, ato condenável aos criminosos.

Direito dos e das jovens rurais a ter um pedaço de terra onde plantar, não só sementes, mas os sonhos e esperanças de uma vida melhor.

Com o tempo, percebeu- se que já não era mais possível sacralizar a tal ponto a propriedade e desde 1988 a Constituição Federal prevê que a terra que não cumpre com sua função social deve ser desapropriada para fins de reforma agrária. Ora, que fique claro: reforma agrária não é um favor, beneficência ou caridade. Reforma agrária é direito e não só isso, é dever.

Direito dos e das jovens rurais a ter um pedaço de terra onde plantar, não só sementes, mas os sonhos e esperanças de uma vida melhor. Direito dos e das jovens da cidade a terem acesso a alimentos livres de tantos agrotóxicos. E o mais importante, reforma agrária é um dever! É um dever do Estado, previsto na Constituição, de desapropriar e distribuir essa terra.

Hoje vivemos um golpe, uma não-democracia. Talvez agora as mudanças legislativas e a vontade política necessárias pra concretizar a reforma agrária sejam difíceis e até impossíveis.

Mas o presente não é só hoje, é o futuro a ser construído. Mudar essas relações patrimonialistas cabe também a nós, no dia a dia, em qualquer espaço. Significa mudar como nos relacionamos com os outros seres humanos, com a natureza e com as coisas. E principalmente, é estar organizado, dentro dos grupos, dos movimentos, na escola, comunidade ou faculdade. Por mais difícil que seja, são nas rodas de proza e nas lutas que o pensamento muda, as relações se fortalecem, a esperança brota e a transformação acontece.

Texto de Jaqueline Bertoldo, Pastoral da Juventude de Santa Maria.
Fonte: Voz da Terra, Informativo da CPT-RS, novembro de 2016.

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