“Romaria da Terra faz o povo reunir,
numa luta sem guerra,
nós lutaremos por ti.”

O percurso de 40 anos de Romarias da Terra vai desde o período da ditadura militar, onde eram suprimidos os direitos de liberdade e o estado de direito, até os tempos atuais, onde se quer suprimir direitos históricos, conquistas trabalhistas e previdenciárias e nada de muitos avanços na questão da Reforma Agrária. Mesmo assim, o Povo de Deus se reúne, insurge-se às armas, aos tanques, aos golpes. O grito e o clamor de Sepé Tiaraju sempre ecoou e ecoará pelo Rio Grande, não como um “mito”, nem como uma lenda, mas como um mártir coletivo, um santo, com toda a causa e a luta dos povos oprimidos.

A causa indígena: O Santuário de Sepé Tiaraju – 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 12ª, 15ª, 39ª Romarias

Por sugestão de D. Pedro Casaldáliga, em 1978, foi declarado Ano dos Mártires. Aí ligamos com o fato de se completarem 222 anos do martírio de São Sepé Tiaraju… O Ano dos Mártires foi aberto com a ‘Romaria da Terra’, em São Gabriel, no coração do latifúndio… Sepé está intimamente ligado à luta pela terra. Daí que as quatro primeiras romarias tenham sido realizadas em São Gabriel, onde o bravo cacique e os 1.500 índios tombaram. O povo canonizou Sepé Tiaraju, que é um elemento forte da cultura gaúcha (Ir. Antônio Cechin).

Com a participação de representações de todas as comunidades do interior da nossa paróquia e com a presença de representações de agricultores de todo o Estado aconteceu, em Tiaraju, a 2ª Romaria [da Terra]. Foi um momento forte de oração e penitência, de consciência dos pequenos agricultores sobre o problema da terra… Dom Ângelo Mugnol presidiu a nossa Romaria do último dia de carnaval (Paróquia de São Gabriel).

Pela presente o estamos convidando para a Romaria da Terra, que se realizará no dia 19 de fevereiro (terça-feira de carnaval), na localidade de Tiaraju, distante 12 Km da cidade de São Gabriel. O objetivo desta Romaria é celebrarmos as lutas do povo pela mãe terra e demais lutas do mesmo no sentido de desempenhar bem a sua missão junto à terra (Pe. João Schio). Note-se que a expressão Romaria da Terra só começou a ser usada na terceira Romaria.

As “reduções jesuíticas” (indígenas) são o santuário da Romarias das Terras. O ano de 1992 é o ano do 50 Centenário da América Latina. São 500 anos de opressão e luta. A América índia foi escravizada, colonizada, massacrada. Junto com a espada, chegou a cruz. São 500 anos de história, lutas, resistências, remorsos e compromissos. Este é um ano para se estimular a reflexão sobre o significado da invasão, do genocídio e da chamada evangelização (Folheto de divulgação). A última Romaria, celebrada com jovens e indígenas guaranis e kaiganges, Sem Terra, pequenos agricultores, atingidos por barragens, urbanos, mulheres, negros… estão presentes os 260 anos do martírio de Sepé Tiaraju. O grito de Sepé Tiaraju continua a ecoar!

A causa agrária: O Santuário de Rôse – 5ª, 9ª, 17ª, 25ª, 29ª, 34ª, 37ª, 40ª Romarias

A Encruzilhada Natalino (Ronda Alta) desloca o foco das Romarias da Terra para a questão agrária, a organização dos Sem Terra, a luta pela terra, pela Reforma Agrária, os Assentamentos, os frutos da organização do povo, a cooperação, a associação, a agroecologia. E, neste ano, decidiu-se fazer esta Romaria anual junto aos irmãos agricultores, acampados à beira da estrada na Encruzilhada Natalino. Se muitos já não entendem que se possa fazer uma Romaria à Terra, porque não a veem como um dom sagrado de Deus e uma fonte de vida, mas sim como um objeto de negócio, muito menos aceitarão que seja feita neste local (Folheto de divulgação).

A Fazenda Annoni, palco da grande ocupação de 29 de outubro de 1985, romeiros, junto aos acampados, debatem a questão da Reforma Agrária, constituinte, participação política e sindicalismo combativo. É um duplo santuário: estava o conflito declarado e hoje está o povo assentado, com vida nova e com dignidade. Outro foco das Romarias será um Mercosul Alternativo, para que a solidariedade seja por meio da inclusão e da integração.

No jubileu dos 25 anos de Romarias da Terra no RS, é hora do celebrar jubileu de fé na luta por uma Terra Sem Males. Ali estão as caravanas dos STRs, da CPT, das paróquias, das comunidades, da PJ, das Associações, das CEBs, do MST, do MPA, das lideranças, das cooperativas. E as Romarias seguem na valorização dos pequenos municípios e das Comunidades rurais que resgatam as sementes crioulas, vivem de forma organizada e cooperativa, unindo luta pela terra, fixação do agricultor no campo, agroecologia, inclusão dos jovens, das mulheres, dos índios e dos negros.

A Reforma Agrária, a cooperação e a agroecologia, onde a vida esteja em primeiro lugar e seja saudável e tenha futuro, sempre será uma oposição consciente ao latifúndio, ao agronegócio, ao agrotóxico e aos produtos transgênicos. Este é o traço marcante das mais recentes Romarias da Terra. E não é por nada que ela tem vida longa! Chegou aos seus 40 anos, marcada pela defesa da função social da propriedade da terra, da partilha dos bens produzidos, inspirada na criação de Deus Pai, de seu Filho que “multiplica” com a partilha e das primeiras comunidades cristãs que tinha tudo em comum (At 2,45; 4,34).

Ao entrar na 40ª Romaria da Terra, continuamos acreditam no sonho de Deus, da destinação universal dos bens, condenando todo tipo de trabalho escravo e de produção gananciosa do agronegócio. Continuamos assumindo e construindo uma Reforma Agrária Popular, com o protagonismo dos Movimentos Sociais Populares, pois a agricultura é a arte de cultivar o sol (provérbio chinês). Estamos preparando a 40ª Romaria da Terra. E eis mais uma vez: “A Reforma Agrária” e a luta pela terra continua viva e necessária.

A causa da juventude camponesa: O santuário de Elton Brum da Silva – 8ª, 31ª Romarias

O Ano Internacional da Juventude convida a voltar-se à causa da juventude camponesa, mesmo aquele que está sem terra, ou não tem perspectiva de continuar na roça. É forte acento na Pastoral da Juventude Rural. É o grito dos jovens camponeses e suas famílias. É o convite à luta, à organização, à resistência diante do agronegócio, da alienação e da manipulação da mídia. O clamor de Sepé Tiaraju ecoa nas consciências juvenis e nos grupos conscientes da realidade e da necessidade de buscar alternativas.

As pastorais da juventude garantiram presença expressiva em todas as Romarias da Terra. Seja na preparação, nas equipes de trabalho, especialmente na recepção e animação, os jovens estão presentes, com um toque de ousadia utópica. Os romeiros iam chegando e já se contagiavam com sua jovialidade e energia criativa dos jovens! Em especial, a Pastoral da Juventude Rural teve atuação importante na ação, estudo e contágio sobre outros jovens, interessando-os para as causas defendidas nas Romarias.

Aos poucos, surge a pro posta criativa do Acampamento da juventude, como um ato preparativo à Romaria da Terra. Os jovens, rurais e urbanos, unem-se por meio das organizações juvenis, sejam pastorais ou movimentos sociais. Já são doze Romarias em quem se realiza o Acampamento, sempre no intuito de tomar consciência da realiza que cerca a juventude, ou no sentido de buscar alternativas de vida, trabalho e futuro para todos os jovens.

A causa dos atingidos pelas barragens: O santuário de Nicinha – 6ª, 10ª Romarias

Tanto os atingidos pelas barragens, como os reassentados, em consequência das barragens, também são protagonistas das Romarias da Terra. Os grandes projetos hidroelétricos obrigaram os atingidos a deixar para trás sua história, sua terra, seu suor, seu trabalho, suas benfeitorias e sua cultura. A Romaria leva apoio à luta, mostrando os frutos da organização de um povo e denunciando as artimanhas do poder econômico. A água deve gerar vida e não morte. O ser humano muitas vezes é crucificado nas estruturas que precisam gerar energia que alimenta as grandes indústrias. Mas alternativas existem e elas precisam ser construídas por todos, em vista do todo e para todos. A Romaria da Terra sempre diz “não” à morte e “sim” à vida.

A causa quilombola: O santuário de Zumbi – 11ª e 33ª Romarias

A causa quilombola e o povo negro nunca foram esquecidos pelas Romarias da Terra. As charqueadas e as fazendas, muitas vezes, são locais de escravidão e sofrimentos dos irmãos e irmãs negros. A luta atual pelos territórios quilombolas não foge à trilha dos que lutam pela vida, pela dignidade e pela preservação dos valores e da cultura dos povos. Ouvir o clamor do povo negro e lutar pela terra e trabalho descente é o mínimo que se pode fazer. Os quilombos são expressão coletiva da luta do povo negro por terra, trabalho e inclusão, titulação imediata e sustentabilidade das terras quilombolas! Eles são força mística de luta e resistência, seja na linha do tempo da escravidão no Brasil (de Palmares), seja no hoje, a luta por direitos, terra e território. A Romaria da Terra é um ato inter-religioso e político, tendo a força da Mãe Negra Mariama, povo quilombola refletindo sobre as senzalas de hoje.

A causa urbana: O santuário do Santo Operário – 7ª Romaria

Trata-se da única Romaria da Terra no mundo urbano e voltada a apoiar a luta por solo urbano, moradia digna e trabalho. A ocupação do espaço urbano e a organização do povo é que garantem vida digna para todos. É na Vila Santo Operário (Canoas) o santuário da Romaria. Movimentou o Estado todo, mas com especial as CEBs, as pastorais sociais e os movimentos populares da grande Porto Alegre. E o apoio àquela luta no ontem, deu uma primeira vitória popular, a qual abriu um precedente jurídico para outras conquistas. E garantiu até hoje a permanência dos ocupantes que estão em processo de regularização de suas áreas e de seus terrenos. É só olhar o nome dado às ruas, que já se nota a diferença dos demais ambientes dos nomes dados pelos dominantes.

A causa da agricultura familiar: O santuário de Margarida Alves – 13ª, 14ª, 16ª, 18ª, 19ª, 21ª, 22ª, 23ª, 24ª, 28ª, 35ª, 38ª Romarias

Aqui se concentra o número mais expressivo das Romarias da Terra. A luta dos fumicultores está envolvida por uma realidade cruel, imposta pelas fumageiras. Começam a se organizar e lutar por melhores preços. Despontam no cenário político e conquistam o reconhecimento da sociedade. É um novo foco das Romarias da Terra. É a pequena propriedade rural. É o olhar da Romaria da Terra para a Agricultura familiar, dos pequenos que creem que das mãos do trabalhador: vida, luta e dignidade. Ali estão os jovens, as pastorais sociais, os sindicatos de trabalhadores, o MMTR e as CEBs.

Os Romeiros da Terra acreditam que a organização constrói a libertação, e isto acontece pela cooperação e valorização das associações e cooperativas de pequenos agricultores. Isto ajuda a combater a fome e a miséria. É o grito por melhorias no setor agrícola e o necessário apoio dos poderes públicos. Assim, o povo organizado constrói um novo estado e exige seus direitos. Desafia a participar nos comitês partidários, concorrer a cargos eletivos e votar nos candidatos comprometidos com as causas populares.

A agricultura familiar resiste e oferece alternativas; exige política agrícola e agrária voltada para os pequenos agricultores, através de um novo modelo de desenvolvimento. Somente uma nova consciência e a organização é que permitem obter conquistas favoráveis aos pequenos do campo. O trabalho humano não pode ser explorado e a pessoa humana precisa realizar-se por meio dele.

A agricultura familiar é motivo de esperança, convite constante à luta, em vista do desenvolvimento integral, solidário e sustentável. Desejamos que a esperança acenda no coração de todos os romeiros uma nova mística pela justa causa da agricultura familiar (D. Jacó Hilgert). Ela possibilita cooperação, vida digna e justiça social, onde os pequenos agricultores são estimulados em sua organização e em suas lutas e a defenderem com veemência a Reforma Agrária, com uma justa distribuição da terra.

A Romaria da Terra resgata nossas sementes, nossas raízes, nossa vida. Ela alerta sobre os malefícios das sementes transgênicas e do agronegócio. É capaz de alertar para a necessidade de uma consciência de classe, mostrando a necessidade de uma agricultura familiar camponesa, pois só assim acontecerá vida com saúde. Que a saúde se difunda sobre a terra (Eclo 38,8). É preciso resistir à febre do consumismo: sacolas plásticas, vilãs do meio ambiente! A terra não pode ser transformada em simples mercadoria para produzir lucro, através da especulação ou da exploração do trabalho (CNBB, A Igreja e a questão agrária no século XXI, nº 89).

A causa ecológica: O santuário de Chico Mendes – 20ª, 26ª, 27ª, 30ª, 32ª, 36ª Romarias

A causa ecológica começa a ganhar importância diante das ameaças de catástrofes ambientais. O cuidado com a natureza sempre esteve presente na prática dos pequenos que lidam com a terra, pois o contato habitual com a natureza e o meio ambiente os leva a desenvolver uma atitude de cuidado e zelo. Quem lida diariamente com a terra sabe que é preciso tratá-la com extrema generosidade e carinho. É como uma relação filial com a própria mãe. É da identidade da CPT acompanhar os clamores, os sofrimentos, as lutas do povo, seus anseios, sofrimentos e buscar de alternativas. Por isso, ela é a voz dos sem voz e que também sabe dar autonomia quando o povo se organiza e é capaz de conduzir sua luta, na busca dos seus direitos.

Fazendo jus à luta dos ecologistas e a inspiração do Pe. João Schio, é escolhido um lugar ecológico para a Romaria da Terra. Ali, Antônio Prado e Ipê, os lugares ideais para debater alternativas para os pequenos agricultores. É a produção agroecológica, associativa e cooperativa, dentro de um contexto de globalização e exclusão. É assim que a Terra – água – alimento para a vida, se torna tema e lema para provocar a tomada de consciência e mostrar a necessidade da união e organização dos pequenos. Eis nossa inspiração bíblica: Os pequenos herdarão a terra e nela habitarão para sempre (Sl 37,29); o Senhor teu Deus vai conduzir-te a uma terra excelente, cheia de torrentes, de fontes e de águas profundas que brotam nos vales e nos montes (Dt 8,7); a terra dará o seu fruto, e vocês comerão até saciar-vos e vivereis em segurança (Lv 25,19).

Água e terra vão nuclear os debates, as denúncias e as propostas das Romarias da Terra. As expectativas e objetivos dão conta da necessidade de envolver entidades de classes, forças das Dioceses, em torno da mãe terra e irmã água, sempre em atitude e prática ecumênicas. Têm-se a consciência que preservar terra e água: garantida de vida, pois a Romaria incita à defesa do meio ambiente e de Reforma Agrária, além dos preços justos e uma melhor distribuição de renda.

Água: sangue da terra: é grito para dizer não à poluição dos rios que sufocam e matam os peixes. No ser humano, o sangue é o líquido propulsor da vida. Da mesma forma, a terra não será nada se nela não correr a água pura. Ao necessitarmos de sangue limpo e puro, a terra necessita da água pura e limpa para gerar vida, alimentos, produzindo a bela e saudável natureza criada por Deus. Por quem os sinos tocam? Tocam denunciando a mortandade de peixes, os agrotóxicos, a poluição do ar, o mundo que Deus não quer, o mundo que fizemos. Na realidade, a água é vida e devemos olhar e construir o mundo que Deus quer, assim outro mundo será possível se a gente cuidar da terra e da água.

Ao subir a serra italiana, a Romaria da Terra grita: Terra e cidadania: princípios do bem viver. Trata-se de unir-se para buscar vida plena, o bem viver, na trilha dos índios, imigrantes pioneiros, da visão bíblico-teológica da terra, da agricultura familiar sustentável, com um modelo produtivo, sem entrar no jogo dos interesses de um “revolução verde”, mas construindo um modelo produtivo sustentável. Nossas propostas sempre serão: – produzir para abastecer as necessidades das pessoas; – promover o consumo consciente; – construir uma logística adequada e condizente; – informar e controlar das inovações tecnológicas; – rastrear e controlar da produção; – permanecer na roça e resgatar a autoestima; – produzir, cuidando o ambiente natural. Acreditamos que A Romaria da Terra promove a cidadania constante, permanente, solidária, ativa, transformadora” (Olívio Dutra).

Texto de Frei Wilson Dallagnol, OFMCAP
Fonte: Voz da Terra, Informativo da CPT-RS, novembro de 2016

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