Vida que se faz em arte

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“Sou entre a flor e nuvem, estrela e mar. Por que havemos de ser unicamente humanos, limitados em chorar? Não encontro caminhos fáceis de andar. Meu rosto vário desorienta as firmes pedras que não sabem de água e de ar” (Cecília Meireles)

É muito propagada e perigosa a idéia de classificarmos os seres humanos em boas ou más pessoas. Os conflitos de ordem social ensejam perigosas comparações que afirmam que “seres humanos do mal”, estão em conflito com “seres humanos do bem”. Mas bem e mal não estão em permanente conflito em cada um de nós? Será que aquilo que a gente entende por bem ou por mal é o mesmo que os outros compreendem como tal? O bem e o mal possuem lugar, personagens e características bem definidas?

Faz-se necessário sair da seara da moral para que possamos compreender os conflitos humanos, antes de julgá-los. O conflito é uma característica inerente ao ser humano. E não é possível construir um ambiente de dignidade humana e vivência de paz sem o enfrentamento dos conflitos. Logo, então, precisamos construir as necessárias mediações para solucionar os impasses que a convivência social nos impõe.

O “controle social e comunitário” pode ser chave na compreensão e resolução dos fenômenos da violência social. Não é possível conviver dignamente sob a mira de armas ou sob o jugo do medo e de represálias, pois isto atenta contra a nossa condição de liberdade. E não é possível superar todos os conflitos de forma isolada e solitária.

A ocupação dos morros no Rio de Janeiro, justificada pelo enfrentamento ao poder do tráfico de drogas, reforça a necessidade de confiança num terceiro (no caso a polícia, representando o poder do estado), como primeiro passo para reestabelecer a convivência social em padrões de dignidade. Mas passada a ocupação dos territórios nos morros cariocas, é preciso devolver às comunidades o protagonismo de suas relações sociais. É preciso também criar condições que substituam as perdas que as comunidades tiveram pela ausência da liderança dos traficantes. É preciso investir em ações e políticas públicas que promovam justiça social.

Dá para imaginar como seria uma vida sem nenhuma transgressão? Dá para imaginar como seria conviver com alguém absolutamente bom e outro absolutamente mau? Sempre resta saber o quanto podemos ou o quanto nos é permitido transgredir. Somos vocacionados para a vida na liberdade. Como disse Cecília Meireles, “liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

Por que será viver uma arte? Viver é a mais complexa e maravilhosa arte porque exige que saibamos lidar com nossas contradições. Exige escolher. Exige conviver. Não há nada mais nobre do que humanizar-se.

Nei Alberto Pies