“Bandido bom é bandido morto”: 60% dos cariocas não pensam assim

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Acesse o relatório da pesquisa aqui.

Na semana em que dois policiais foram acusados de executar suspeitos de tráfico de drogas na periferia do Rio de Janeiro, a pesquisa “Olho por olho” vem revelar o que pensam os cariocas sobre temas como violência policial, direitos humanos e maioridade penal.

Bandido bom é bandido morto?

Os pesquisadores do Centro de Estudos em Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, foram a campo fazer essa pergunta para os moradores de diferentes regiões da cidade. O que descobriram? Que alma carioca é uma metamorfose ambulante.

O primeiro aspecto a ser destacado em relação ao resultado da pesquisa é que 60% dos cariocas discordam dessa afirmação. Já 37% concordam com o bordão, que tem grande adesão nas classes mais empobrecidas. O estudo aponta ainda que homens tendem a concordar mais com a frase do que mulheres e que no campo religioso, os católicos se mostraram mais conservadores do que os evangélicos nesse aspecto. No cenário nacional, o percentual de pessoas que acreditam nessa frase é de 57%, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2015. Nesse sentido, os cariocas são mais progressistas que a média nacional.

Quando os pesquisadores perguntaram: “prender ou matar?” quando alguém assalta ou é pego vendendo drogas, 84% dos entrevistados afirmaram que devem ser presos e não mortos. Quando a pesquisa trata de homem que batem em mulher ou de policiais que agem fora da lei, o índice sobe para 88% entre os que acreditam que esse tipo de criminoso deveria ser preso e 10% dos entrevistados afirmam que deveria morrer.

A maioria também afirmou que a polícia não deve atirar, mesmo quando a pessoa estiver fugindo. Essa é uma verdade para 68% dos pesquisados. Para 71% o policial não deve atirar nem se for agredido fisicamente. A polícia só pode atirar se uma pessoa estiver apontando a arma para ele, afirmam 68%. Para 69%, os policiais não sabem diferenciar trabalhador de bandido.

No entanto, a pesquisa também revelou que os cariocas rejeitam os direitos humanos e são a favor da maioridade penal para adolescentes acima de 16 anos. Um total de 78% acreditam que “direitos humanos atrapalham o combate à criminalidade e 86% são a favor da redução da maioridade penal. Contudo, o índice ficou abaixo da média nacional, na questão da maioridade penal, que tem 89% de aprovação, como apontam os dados do estudo da Fundação Perseu Abramo de 2015.

 

Análise

Algumas respostas parecem contraditórias se olhadas no plano geral, mas quando a pesquisa é vista de perto, com um olhar mais cuidadoso, as coisas ficam mais claras e mostram aspectos positivos.

Uma das coordenadoras do estudo explica alguns aspectos dessas contradições. “A pesquisa revela que a opinião dos cariocas sobre esses diversos temas não está consolidada. 37% da população apoiando o bordão ‘bandido bom é bandido morto’ é preocupante, mas quando a gente pergunta se a polícia devia ter carta branca para matar, se isso ajudaria a combater a criminalidade, 70% das pessoas dizem que não. Percebemos que quando a gente aponta temas específicos de violações, as pessoas não apoiam”, observa a socióloga, professora e pesquisadora Julita Lemgruber. Os professores Ignácio Cano e Leonarda Musumeci também fazem parte da coordenação da pesquisa.

Portanto, o que revela o estudo é que quando se trata de temas mais amplos, longe da realidade das pessoas comuns e de conceitos disputados ideologicamente, as pessoas têm posições mais conservadoras. Porém, quando parte para a realidade concreta, onde os problemas são mais visíveis e sentidos em seu cotidiano, nesses casos a população tem uma posição mais progressista e humanizada.

Para Julita Lemgruber, isso demonstra ainda a dificuldade dos defensores de direitos humanos para esclarecer a população de que não há incompatibilidade entre direitos e segurança pública. “Na verdade esses conceitos deveriam ser complementares”, defende. “Mas houve, durante sucessivos governos, uma má condução do tema, causando uma ruptura entre as duas ideias, o que é extremamente prejudicial para a sociedade”, destaca.

Socióloga respeitada no meio acadêmico e jurídico, Julita Lemgruber ficou conhecida por ter sido a primeira mulher diretora-geral do sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro durante o governado de Leonel Brizola (entre 1991 e 1994). Hoje é uma das mais prestigiadas críticas da guerra às drogas.

“A única coisa que pode nos tirar dessa triste realidade é aprofundar e radicalizar a democracia.”

Já o ex-coronel da polícia militar do Rio de Janeiro, Ibis Pereira, um dos colaboradores da pesquisa, afirma que é preciso esclarecer e disputar esses conceitos junto à população. “O mais me surpreendeu foi que a ideia de que ‘bandido bom é bandido morto’ encontre adesão entre as pessoas das camadas mais pobres, justamente a camada que mais sofre com a violência. Isso me parece que é um recado para a nossa democracia. Temos um grande desafio pela frente. A única coisa que pode nos tirar dessa triste realidade é aprofundar e radicalizar a democracia”, apontou o ex coronel, que é graduado em direto e tem mestrado em História, pela Política da Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

 

Sobre a pesquisa “Percepções sobre execuções sumárias e direitos humanos na cidade do Rio de Janeiro”

Justificativa e objetivo

Algumas pesquisas de âmbito nacional já procuraram investigar o grau de concordância e discordância com o bordão “bandido bom é bandido morto” (BBBM). Por exemplo, a realizada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) em 2010, que ouviu uma amostra domiciliar da população brasileira urbana e revelou que 43% concordavam total ou parcialmente com a frase. Mostrou ainda que, enquanto os direitos sociais e econômicos suscitavam apoio consensual, os direitos humanos relacionados a questões de segurança pública dividiam fortemente o país. Em 2015, outro levantamento amostral feito pelo Instituto Data Folha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicou que 50% dos moradores das cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes concordavam com o chavão BBBM. Repetido um ano depois, usando a mesma metodologia, esse survey constatou que o percentual aumentara para 57%.

Tais pesquisas mensuram a adesão e a rejeição às frases pró-execuções e contra os direitos humanos, mas não buscam compreender que ideias, percepções e valores alimentam a ideologia do justiçamento, nem traçar perfis dos indivíduos ou segmentos sociais mais apegados a ela, bases necessárias de qualquer tentativa de elaborar meios eficazes para desconstruí-la. É o que este projeto procura fazer, combinando métodos quantitativos e qualitativos – pesquisa amostral, entrevistas abertas, grupos focais e workshop com especialistas –, para aprofundar o conhecimento dos nexos entre adesão ao chavão “bandido bom é bandido morto” (BBBM) e outras circunstâncias relevantes, a fim de subsidiar ações e campanhas que possam abrir caminhos de sensibilização e mudança.

O projeto propõe também retomar a reflexão sobre percalços e tropeços do ativismo pró-direitos humanos depois do fim da ditadura e discutir meios para a superação da atual repulsa popular aos que defendem direitos básicos e limitação do poder absoluto do Estado.

Metodologia
  • Aplicação de questionários em pontos de fluxo a uma amostra aleatória de 2.353 pessoas, representativa da população do município com 16 anos ou mais de idade. Estratificou-se a amostra pelas 5 APs da cidade e, dentro de cada AP, foram definidas quotas por sexo, faixa etária e nível de instrução. Levantamento realizado em março-abril de 2016;
  • Três grupos focais exploratórios, com participantes de diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade, moradores e não moradores de favelas;
  • Entrevistas em profundidade com nove especialistas de diversas áreas profissionais: um juiz de direito, um político, um antropólogo, três ativistas de movimentos sociais e direitos humanos, um jornalista, um psicanalista e um oficial reformado da PMERJ.

 

Acesse o relatório da pesquisa aqui.
Fonte: Cesec e Brasil de Fato

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