Na foto, Janete da Silva Novato Alves e suas filhas e filho.
Há um ano o Senado Federal aprovava a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que ficou afastada por 180 dias antes de ser definitivamente tirada do cargo. Neste período os conflitos no campo aumentaram em 26% em comparativo com o ano de 2015, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
2016 foi o ano com maior número de ocorrências de conflitos por terra registrados nos últimos 32 anos. Foram contabilizados 1.079 conflitos, uma média de 2,9 registros por dia. Os assassinatos tiveram um aumento de 22% em comparação com o ano de 2015 e é o maior número de casos desde 2003.
Com a instabilidade política de 2016 questões como combate ao trabalho escravo, demarcação das terras e a defesa dos direitos indígenas e combate aos conflitos no campo tiveram um enfraquecimento dentro das instituições governamentais e os grupos políticos responsáveis pelos conflitos ganharam ainda mais força.
A região da Amazônia Legal concentra o maior número de conflitos no campo. Nos primeiros 5 meses de 2017 foram registrados pela CPT 25 assassinatos em decorrência dos conflitos agrários no Brasil. Outros 6 estão sob investigação e ainda não foram inseridos no banco de dados da pastoral. Os números representam 41% do total de mortes ocorridas durante todo o ano de 2016. Os dados indicam um agravamento dos crimes no campo em 2017.
Por que o Brasil segue criando novos ‘Eldorado dos Carajás’?
Janete da Silva Alves, 32, e seus quatro filhos são as vítimas que as estatísticas não mostram. Na foto, ela segura a carteira de identidade de seu marido, Edison Alves Antunes, 36, assassinado no dia 19 de abril enquanto trabalhava como diarista em um lote na Gleba Taquaruçu do Norte, no município de Colniza (MT). O marido de Janete é um dos nove trabalhadores rurais mortos na chacina que ficou conhecida como #MassacreDeColniza.
Eles viviam como posseiros em um lote localizado próximo da região que Edison trabalhava como diarista quando foi assassinado. Janete e seus filhos não foram vitimados no massacre, mas no dia 19 de abril eles também foram mortos: A casa, a roça e a vida em família já não existem mais. Ela junta o que sobrou para morar em outra cidade com os filhos. O dinheiro que a família havia economizado foi usado para pagar uma associação, que atua na área distribuindo lotes da Gleba Taquaruçu do Norte para trabalhadores rurais, com a promessa de conseguir o documento da terra.
A chacina em Colniza aconteceu na mesma semana em que o ‘massacre de Eldorado dos Carajás’ completou 21 anos. Os 19 trabalhadores rurais mortos em 1996 no Pará, e o assassinato de 9 trabalhadores rurais em 2017 em Mato Grosso, possuem 3 pontos em comum: As vítimas são pessoas pobres; os locais dos crimes são de invisibilidade estatal, onde apenas a polícia tem maior atuação nessas áreas; e a impunidade nos crimes ocasionados por conflitos no campo, o que acaba sendo um fator central para que os assassinatos de trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas e lideranças comunitárias sigam acontecendo.
Edison e sua família engrossam os números mais recentes de vítimas de conflitos agrários. Crimes que se agravam por omissão e conivência dos governos de Mato Grosso e Federal.
Colniza é uma cidade que fica a 1.065 Km da capital mato-grossense e faz fronteira com os estados do Amazonas e Rondônia. É apontada como uma das cidades mais violentas do Brasil pelo grande número de conflitos agrários.
O local da chacina fica dentro do ‘Complexo Guariba’, uma área de 630 mil hectares que abriga um terreno de 42 mil hectares, onde os trabalhadores atuavam. Até hoje o governo de Mato Grosso e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) não sabem dizer a quem pertence a área onde ocorreu o crime.
Em 2006 foi realizada uma audiência pública na cidade de Cuiabá para tratar da situação agrária do ‘Complexo Guariba’. Na ocasião foi criado um grupo de trabalho interinstitucional com a participação do Ministério Público Federal (MPF), Justiça Estadual, Secretaria Estadual de Meio Ambiente, INCRA e Polícia Federal. O INCRA ficou responsável por produzir um relatório detalhado informando quais áreas pertencem ao estado do Mato Grosso e União dentro do ‘Complexo Guariba’. Após 11 anos desta audiência, o órgão ainda não forneceu este documento.
Em ofício encaminhado pelo INCRA ao MPF, o órgão apenas informou que existem “fortes indícios de irregularidades (fraudes) praticadas ao proceder à alienação de terras presumivelmente devolutas (terras públicas) que compõem o Complexo Guariba”. O documento produzido pelo INCRA comprova o descaso e conivência do governo do Estado e União com a situação das centenas de famílias pobres que vivem nesta área de conflitos intensos, por estar em uma região de interesse de grandes madeireiras e mineradoras que exploram diamante, ouro e cassiterita.
Essa situação de caos fundiário não se limita ao ‘Complexo Guariba’. A realidade fundiária do estado de Mato Grosso é marcada pela venda indiscriminada de grandes porções de terras públicas para latifundiários, empresas de agropecuárias e de colonização, além da utilização de transferência das terras nas disputas eleitorais, ora como recompensa, outra como pagamento de favores políticos.
De acordo com a polícia civil do Mato Grosso, quatro suspeitos pelo assassinato e o mandante do massacre de Colniza já foram identificados. Dois suspeitos foram presos, na última terça-feira, 2, os demais, que estão foragidos, estão com prisões preventivas decretadas. A polícia não divulgou o nome do suposto mandante da chacina, mas segundo o delegado Marcelo Muniz, que é responsável pelo caso, o suspeito é um empresário que teria ordenado o massacre para poder explorar madeira na região.
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que dos 127 casos de assassinato no campo registrados pela entidade no Mato Grosso desde 1985 (ano em que começaram a coletar as informações), nenhum dos suspeitos de serem os mandantes desses crimes foram julgados e condenados.
Nos últimos 32 anos, a CPT registrou 1.722 assassinatos no campo, deste total houve 110 julgamentos durante as três décadas e somente 31 pessoas que são apontadas pelas investigações policiais como mandantes dos crimes foram condenadas.
Mesmo que as pessoas apontadas como responsáveis pela chacina em Colniza sejam presas, as causas dos conflitos continuarão e os crimes no campo seguirão aumentando, como apontam os dados sobre crimes no campo que teve um recorde histórico registrado em 2016. Janete e seus filhos permanecerão sendo as ‘estatísticas vivas’ de uma situação de conflito em que o Estado é sempre conivente.
Colniza não é um caso isolado
Na semana seguinte ao massacre outras duas chacinas aconteceram nos estados que fazem fronteira com Mato Grosso. Quatro pessoas foram assassinadas na cidade de Santa Maria das Barreiras, sul do Pará e outras três foram encontradas carbonizadas dentro de uma caminhonete na Gleba Corumbiara, a 70 quilômetros de Vilhena, em Rondônia.
A liderança comunitária, Katia Martins, 43, foi executada, na última quinta-feira, 4, com cinco tiros durante uma emboscada no assentamento “Primeiro de Janeiro”, na divisa dos municípios de Castanhal e São Domingos do Capim, no nordeste paraense.
Menos de 24 horas do assassinato de Katia, o trabalhador rural sem terra, Eduardo Soares Costa, foi torturado e morto por fazendeiros, na zona rural da cidade de Eldorado dos Carajás, no sudeste do Pará.
De acordo com a coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), semanas antes do assassinato de Katia e Eduardo os conflitos rurais que ocorrem no estado foram denunciados durante audiência com a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (SEGUP) e com a Ouvidoria Agrária Estadual e Nacional.
“Neste período histórico da luta de classes, diante a ineficiência dos governos federal e estadual em adotar medidas favoráveis à Reforma Agrária, o MST se compromete a seguir denunciando as arbitrariedades e a violência com que as forças do latifúndio, das empresas privadas de mineração e do Estado têm praticado no Pará”. Trecho da nota pública do MST-PA
Já no dia 30 de abril, homens com facões e armas de fogo atacaram um grupo de indígenas da etnia Gamela, no município de Viana, interior do Maranhão. Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), 17 Gamelas sofreram algum tipo de ferimento (entre os feridos estão duas crianças e um adolescente) e 5 foram baleados, um total de 22 feridos no ataque.
A área do ataque é disputada por fazendeiros, que querem explorar dentro das terras dos Gamela. O crime aconteceu em um momento crítico de desmonte da Fundação Nacional do índio (FUNAI). No mesmo dia do ataque aos indígenas, o deputado federal Aluísio Guimarães (PTN/MA) chamou o povo Gamela de “pseudoindígenas” em entrevista à rádio Maracu e declarou que no caso de uma tragédia, a responsabilidade seria da Funai e do ministro da Justiça Osmar Serraglio, que segundo ele estavam avisados sobre a situação.