BRUNO E DOM Presente, agora e sempre!

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Paulo César Carbonari [*]

Não é incompetência nem descaso. É método. […] Desqualificar as vítimas, como sabemos bem, é método recorrente. E funciona.

Tenho tentado explicar a pessoas próximas que não há escolha entre lutar e não lutar. A escolha é apenas entre escolher viver lutando ou esperar que a guerra mate tudo aquilo que você ama e respeita.

Eliane Brum

Mais duas vidas se vão, de morte matada! Vidas defensoras dos direitos dos povos indígenas, dos direitos da terra, dos direitos da Amazônia, dos direitos humanos. Inaceitável. Revoltante. Nenhuma vida a menos. Justiça para Bruno e Dom.

A vida, todas as vidas, cada uma das vidas, sacrificada na causa da vida é geradora de mais vida. O testemunho dos que ficam, por seguirem em sua memória, atuando nas causas que legaram. Assim como Bruno e Dom herdaram as causas pelas quais foram mortos, nos legam estas mesmas causas para que sigamos levando-as como luta permanente pela vida.

A solidariedade e a indignação nascem da responsabilidade. A indignação por sentir a dignidade sendo atacada, violentada, destruída, morta. A solidariedade por fazer-se parte da mesma causa, das mesmas lutas, que se nutrem do mesmo solo e, por isso, numa base sólida, comum. Tanto uma quanto a outra fazem nos entendermos interdependentes e interrelacionados/as com os/as outros/as. São formas de res-ponder, de res-ponsabilidade, com as alteridades. A responsabilidade as faz nascer, mais uma vez, diante de Bruno e Dom.

A indignação faz com que não aceitemos a morte. A morte de Bruno, de Dom e todas as mortes de defensores/as de direitos humanos, infelizmente muitas, cada vez mais. Também que não aceitemos que que qualquer desaparecimento ou morte seja relativizado. Repudiemos seus executores, seus mandantes e os motivos que a ela levaram. O modo como foi feita. Esquartejamento, carbonização, modos de fazer com crueldade, com perversidade, com ódio intenso. As milícias armadas, que se alimentam das práticas predatórias dos bens naturais e das vidas humanas, foram incentivadas pelos agentes do poder e do dinheiro. O primeiro mandante do país, que sequer foi capaz de dizer o nome dos dois mortos e que se referiu pejorativamente a eles em várias manifestações públicas, culpou-os pelo que lhes aconteceu, tem sangue nas mãos: incentivou todo tipo de crime e ilegalidade – é a face cínica do fascismo da hora.

Solidariedade aos indígenas que foram autores da denúncia do que estava acontecendo e partícipes incansáveis nas buscas, que não só colaboraram com as autoridades, mas as dirigiram para que a morosidade fosse denunciada e se chegasse ao desfecho nas investigações. Solidariedade com familiares e amigos/as dos mortos. Solidariedade com todas as organizações indígenas e indigenistas, as organizações de jornalistas, enfim, todas as organizações que fazem a proteção a defensores/as de direitos humanos. A solidariedade nasce da verdadeira e genuína revolta, pois ela leva a fazer-se próximo e presente com quem sofre a violência e as violações, as vítimas. A solidariedade aflora desde a alteridade e por ela. Carrega a revolta contra toda a opressão e todas as práticas repressivas, promotoras de morte. Uma solidariedade que se faz responsabilidade, na cumplicidade íntima com aqueles/as que lutam por justiça e que, por isso, compartilham causas e se fazem dom, doação, graça, muito mais do que qualquer reciprocidade poderia esperar, um viver em comum, em comunidade.

A indignação e a solidariedade cobram responsabilização de todos quantos, de alguma forma, concorreram para a morte de Bruno e de Dom, sujando suas mãos ou sua boca. Mas, também exigem construir condições para que estas práticas não se repitam, nos confins da Amazônia e em todos os outros territórios. Também clamam para a necessidade de afastar dos postos de poder todos que as patrocinam, defendem e promovem, dando-lhes apoio e conivência. O serviço à acumulação e à concentração criminosas, que se revelam na pesca ilegal, na mineração ilegal, no desmatamento ilegal, no narcotráfico ilegal… na morte, precisam acabar, porque, afinal, tudo é mais do que ilegal, é imoral e injusto… desumanidade, face do capitalismo em ação… promovida e patrocinada pelos condutores da “boiada”.

Se o autoritarismo fascista, como sugeria Freud, em Mal-estar na civilização, não é um retorno ao arcaico, mas o exercício dele como reprodução na e pela civilização, então todos os ataques aos povos indígenas, todos os ataques à Amazônia, todos os ataques a defensores/as de direitos humanos, mais que práticas anticivilizatórias, são práticas de uma certa civilização, aquela que se orienta pelo extermínio, pelo genocídio, pela morte como principal prática civilizatória – da qual os povos originários são as principais testemunhas e vítimas, há séculos. Práticas que não são experimento, nem incompetência e nem mesmo descaso, são “método”, que funciona, contra os/as pobre e aqueles/as que com eles/as se solidarizam.

[*] Doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos

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