As democracias representativas, caracterizadas pela participação através do mecanismo o voto, são limitadas e insuficientes diante do desafio de exercermos a participação de forma permanente. Votar em representantes, herança da modernidade, pode obstaculizar o exercício permanente do direito à participação social. No entanto, mesmo que se reconheça esse limite, a democracia representativa vige atualmente no Brasil e pode ganhar em intensidade e qualidade a depender do próprio envolvimento da sociedade. Ela deve atentar para as propostas dos candidatos, partidos e coligações no período eleitoral e participar ativamente do debate público sobre o futuro da sua cidade.
Na área da saúde, cresce nas eleições municipais de 2012, especialmente nos municípios com maior capacidade instalada para prestar serviços, o discurso de que o problema da saúde são os municípios vizinhos. Isso aparece diplomaticamente em propostas como: “primeiro vou cuidar da saúde dos “meus” munícipes, depois…”. Ou seja, o problema é sempre o vizinho, que só é bem vindo quando compra na minha lavoura (Shoppings, Universidades, etc). Do ponto de vista geopolítico, esse discurso soa um pouco estranho pelo seu caráter de obviedade. Ou teríamos alguma dúvida que os/as pretendentes aos cargos eletivos irão legislar e governar nos municípios que concorrem? e que, portanto, os sujeitos da ação política direta serão os cidadãos e as cidadãs da respectiva esfera federativa? Afinal, não estão concorrendo a governador/a, deputado/a, senador/a ou presidente/a da República.
Mais do que propor um debate sério sobre as responsabilidades dos entes municipais no SUS, nas “entrelinhas” desses discursos, camufla-se um profundo desconhecimento, que se mistura a um elevado grau de descompromisso dos futuros gestores e legisladores com o Sistema Único da Saúde e a reforma sanitária brasileira. O SUS é universal, portanto para todos/as. Para que assim seja, deve ser organizado para que todos/as tenham acesso com qualidade. O cidadão de Porto Alegre, de Passo Fundo ou de André da Rocha tem o mesmo direito. Fato é que para realizar esse direito, não podemos ter um Hospital como o Conceição de Porto Alegre ou o São Vicente de Paula de Passo Fundo no município de André da Rocha, que tem 1.216 habitantes. Isso seria irracional, impossível. Do ponto de vista econômico e para certos serviços, é mais racional que seja recolhido o imposto dos habitantes de André da Rocha, a parte que lhe cabe das famosas Emendas parlamentares, a parte do dinheiro distribuído a hospitais (inclusive filantrópicos e privados) pelo Estado e União, e ofertá-los num sistema integrado e regionalizado. Conforme o art. 198 da Constituição Federal, “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único […].
Quando os cidadãos de determinados municípios, deslocam-se para outros, não o fazem para prejudicar as pessoas que moram nestes locais ou porque seus gestores são irresponsáveis. O fazem porque é seu direito e porque as respectivas gestões municipais as encaminham em consequência de acordos prévios nas instâncias de pactuação do SUS. Se o contrato não existe ou não funciona como deveria, o problema jamais é do cidadão.
Mesmo que se reconheça problemas de gestão do SUS nos municípios, ter como proposta de campanha atender os “seus” cidadãos e depois os outros, beira a um populismo barato e inconsequente. Levar a sério o SUS, deve sim exigir o debate das responsabilidades que cada município deve cumprir. No entanto, afirmar que vamos resolver o problema fechando nossas divisas para a Região é absolutamente falacioso. Como a proposta é de fácil digestão para a população, que não tem a obrigação de saber como o SUS deve funcionar, contribui para que os mesmos adotem práticas discriminatórias com as pessoas de outros municípios, dirigindo seus olhares pedantes para as Vans que transportam seres humanos em busca do seu direito humano à saúde, reconhecido pela Constituição. Preferiria um discurso: “como Município Pólo, pela responsabilidade que me cabe, vou esforçar-me ao máximo para, com o Estado e a União, dialogar com os municípios da Região e juntos, dividindo responsabilidades, chegar ao melhor acordo possível em prol do SUS, que só vai funcionar plenamente para todos se for organizado regionalmente”.
Valdevir Both, doutorando em Filosofia/Unisinos, professor no IFIBE e Educador Popular no CEAP.