“Se as humanidades têm algum futuro como crítica cultural, e a crítica cultural tem uma tarefa no presente momento, é, sem dúvida, no sentido de nos fazer retornar ao humano aonde não esperamos encontrá-lo, em sua fragilidade e nos limites de sua capacidade de fazer sentido.”
Judith Butler, 2011
Vivemos um momento histórico no qual já não sabemos se a esperança na humanidade ainda faz sentido, se ainda carrega alguma verdade. Compreender esta dificuldade é repor direitos humanos como questão crucial que se pergunta: quem são os humanos? Quem são estes/as de quem dizemos serem sujeitos de direitos? Onde estão?
Ainda esperamos encontrar o humano: em sua fragilidade. Sim, ali está o humano, na fragilidade, nos limites da fragilidade. É ali que todas as nossas mais profundas crenças se chocam com a singular realidade. E, deste modo, renovam-se como sentido. Pensar assim é pensar que a dignidade não é dada e nem é mérito de privilegiados. Pensar assim é reconhecer que a humanidade está em cada singularidade humana e nas condições históricas e concretas e nas dinâmicas e relações nas quais esta se realiza. Viver assim é encontrar humanidade naqueles para quem boa parte dos/as humanos/as já não encontra humanidade. No máximo da fragilidade.
A vida é frágil, toda a vida. Permanece “por um fio”. Então porque há vidas que se entendem superiores, melhores, mais fortes e, em razão disso, subjugam outras vidas, frangilizam-nas ainda mais do que já são, as oprimem, as violentam, as vitimizam? Sim, há muitos que alimentam “sua vida” de ódio, de morte, de destruição, de desumanização. Estas vidas não sabem reconhecer a fragilidade que há em sua própria vida e na vida dos/as outros/as vivos/as, sejam humanos ou não-humanos. Para estes a resposta à pergunta por “quem são os humanos” é sempre e somente os melhores, os superiores; aos/às demais, uma caricatura de humanos, “quase-humanos”, bárbaros, “animais”, “bandidos”, “ninguém”!
O princípio da afirmação do humano pela ex-clusão [fechar para fora] dos/as não humanos/as, sejam eles/as seres vivos de outras espécies ou mesmo humanos/as aos/às quais não se reconhece humanidade, é o que alimenta a violação de direitos humanos e o ódio que torna insuportável a presença de alguns destes e algumas destas que, apesar da exclusão, da vitimização, se organizam e lutam para dizer: “existimos”, somos humanos, temos direitos! Fechar a porta da humanidade aos/às humanos/as tidos/as por inaceitáveis de “merecerem” a condição humana é prática recorrente na história da humanidade e só produziu, sempre, uma situação: a não-existência, a morte ou, quando muito, a “inclusão” subordinada, oprimida, violentada [para quem precisa de exemplos, lembre-se da escravidão negra, do extermínio indígena, da opressão dos/as trabalhadores/as, do holocausto judeu, da xenofobia, a lista é grande!].
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A afirmação do “existimos”, somos humanos/as, temos direitos, é o ponto de partida pelo qual as vítimas de violação de direitos humanos se levantam para cobrar a superação do princípio da exclusão e para exigir reconhecimento e acesso e usufruto dos bens necessários para que possam viver e bem-viver. Estes/as é que primeiro levantam a necessidade de direitos humanos e, ao fazerem isso, revelam que o que querem não são direitos para si mesmos/as, que satisfaçam interesses privados; o que revelam é que os direitos que reivindicam são humanos, ou seja, comuns a todos/as que se querem humanos, para todos/as.
Assim nascem os direitos humanos: como afirmação de que os/as humanos/as de quem se fala que têm direitos são todos/as. Daí porque, falar de direitos humanos é, acima de tudo, não pactuar com quem aceita a possibilidade de algum/a humano/a não caber entre os/as humanos/as. É dizer todos/as de modo a que ali se possa fazer conter a singularidade de cada um/a e a diversidade dos muitos/as numa pluriversidade que reconfigura o que conhecemos por universalidade [que, por ser uni, nem sempre soube acolher o pluri].
Enfim, se o humano está na fragilidade, então os direitos humanos são uma forma de dizer que esta fragilidade precisa ser promovida, protegida, cuidada. Falar de direitos humanos, mais uma vez neste Dia Mundial dos Direitos Humanos, é, portanto, mesmo contra todos/as que insistem em dizer o contrário, não aceitar que existam vítimas, agir para potencializar a luta para superar a situação dos/as que estão na condição de vítima e, mais do que tudo, buscar um outro mundo no qual seja possível viver a fragilidade, em fragilidade, sem que isso signifique outra coisa do que viver, bem-viver.