They Live – uma parábola do mundo presente?

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Fonte: Carta Maior. Publicado originalmente aqui. Por Reginaldo Moraes.


Em 1987, o direitor de cinema John Carpenter botou no ar um filme chamado “They Live”. Ainda há quem acredite que era uma ficção. Era um retrato do que acontecia nos estados unidos sob Reagan, segundo o cientista político Mike Davis. Na verdade, o próprio John Carpenter disse, certa vez, que o filme não era ficção científica, era um documentário da época.

A estória começa com um trabalhador da construção civil que muda para outra cidade em busca de emprego. Saía de Denver, Colorado, onde a economia ia mal. Mas ele “acreditava na America” e “acreditava nas regras”. Daí vai percebendo umas coisas estranhas. Depois de algumas confusões, descobre que há organizações clandestinas que querem derrubar o governo mas são periodicamente desmanteladas pelas forças da ordem. Num desses “aparelhos” subversivos, ele acha uns estranhos óculos, desenvolvidos pelos intelectuais e cientistas de um desses grupos. As lentes mostram a realidade “oculta”. E ele descobre que há um enorme número de alienígenas entre os humanos ‘normais’. E que os anúncios publicitários e programas de TV emitem mensagens cifradas, com ordens de obediência e submissão.

Em suma, os Estados Unidos são governados por alienígenas disfarçados como membros da elite dos negócios e de profissões de alto nível. Os extraterrestres colonizam a América, o desmantelam a nação em nome do “mercado livre”. Eles falam em sussurro um ao outro através de pequenos rádios, instalados em relógios Rolex que simbolizam o seu status elevado, proporcionando um canal seguro para a sua comunicação reservada. Seus objetivos são a exploração da multidão de terráqueos em beneficio dos poucos alienígenas, os “1%” daquela época – contando com alguns humanos “colaboracionistas”, pagos com os restos do banquete.

Eles são entusiastas do “mercado livre” – a terra é o seu “Terceiro Mundo”, diz um dos organizadores dos rebeldes.

Os alienígenas dizem aos humanos colaboracionistas: “a economia cresce, a resistência é inútil e não há alternativa, então você também jogar do nosso lado e tirar algum proveito. Fique conosco e aproveite as recompensas”. Os que se vendem ao sistema justificam assim: “é tudo um negócio, não há mais país, eles comandam tudo, podem tudo”.

Aqueles que não podem ser cooptados ou anestesiados pela mídia dominante e pela participação no consumo, evidentemente, são rotulados como “terroristas” e “comunistas que querem derrubar o governo.” Eles são sujeitos à repressão, operada por um estado policial de alta tecnologia, com câmeras de vigilância e aparelhos que prenunciam os atuais drones. Para piorar as coisas, os trabalhadores se dividem em termos de raça e etnia, conflitos explorados maquiavelicamente pelos alienígenas e seus colaboradores.

A resistência clandestina consegue desenvolver uns óculos e lentes de contato que têm o poder de “desvelar” a identidade dos alienígenas, permitindo ver quem é humano e quem não é. E conseguem ler as mensagens cifradas nas revistas, cartazes, painéis, TV.

O herói do filme, o João Nada, é o trabalhador de construção, branco, loiro, que toma consciência da coisa e convence seu colega de trabalho, Frank, um outro operário, negro, a entrar no combate. Os dois invadem a sede de transmissão dos alienígenas e destroem tudo, embora sejam mortos na ação. Os alienígenas têm seu sistema desmantelado e fogem. Mas os dois combatentes morrem.

O filme tem cenas muito interessantes, imagens contrastando a riqueza e a pobreza das grandes cidades. Mas o forte é o simples enredo da elite dominante e de seus colaboradores próximos. Duas coisas me chamaram atenção, tendo em vista a realidade que temos hoje diante de nós:

1. A metáfora dos óculos especiais, criados pelos cientistas. Revelam a realidade, a existência daquela minoria não-humana que explora e domina. E revelam o sentido que está por detrás das enganosas imagens de publicidade e do calor do entretenimento televisivo. É uma ferramenta de conhecimento libertadora.

2. Os óculos conseguem detectar quem são os “1%” não humanos, cérebros da exploração e do controle social. Mas não conseguem detectar quem são os colaboradores, os humanos que passam para o outro lado. Ou seja, é preciso uma ferramenta um pouco mais sutil para tratar desse elemento da realidade.

3. Não basta saber o que é a “realidade”. Você pode descobrir tudo isso e mesmo assim ficar parado. É preciso ter vontade e ter uma boa tática para destruir o sistema. A solução dos heróis é simples e eficaz, ainda que suicida. A guerra armada, a invasão do quartel-general dos alienígenas. Um comando guerrilheiro.

4. No começo do filme, a organização de resistência é coletiva, organizada em uma igreja que funciona como catalizador da pobreza descontente e ao mesmo tempo como fachada. Ela é reprimida. Sobram apenas o herói e seu camarada, Frank.

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