O Brasil é o país “campeão” de assassinatos no mundo: em números absolutos, mais de 58 mil pessoas morrem assassinadas por ano. A maioria são jovens entre 15 e 29 anos – uma conta que equivale à queda de um avião a cada dois dias. Porém, há algo pior do que esta tragédia: a indiferença da sociedade diante de milhares de vidas perdidas.
Motivada pela urgência deste debate, a Anistia Internacional se somou à luta das organizações negras brasileiras e lançou a campanha Jovem Negro Vivo que chama a atenção para o perfil das principais vítimas destas mortes: jovens, negros, do sexo masculino, moradores de periferias. E mais do que isto: queremos exigir políticas públicas de segurança, educação, saúde, trabalho, cultura, mobilidade urbana, que possam transformar esta realidade.
Nos últimos dois anos e meio, a Anistia Internacional e seus grupos de ativistas realizaram ações de mobilização para engajamento da sociedade em defesa da vida de nossos jovens através da campanha Jovem Negro Vivo nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Maranhão, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Goiás. Agora, chegamos ao Pará.
Os estereótipos negativos associados à juventude e à pobreza e, junto com eles, o racismo, fazem com que não se dê a resposta adequada e necessária ao fato estarrecedor de que cerca de 77% dos jovens assassinados no Brasil sejam negros. Tantas mortes de jovens negros que vivem em favelas e periferias terminam sendo banalizadas e naturalizadas. É como se a vida de um jovem negro valesse menos do que a de um jovem branco, morador de áreas mais nobres da cidade. E os números sustentam esta percepção: enquanto o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3%, de 2002 a 2012, o de jovens negros aumentou 32,4%, de acordo com o Mapa da Violência.
Não há uma só causa para esta tragédia. Mas é importante destacar aqui as políticas de segurança pública marcadas por operações policiais focadas na repressão e no enfrentamento e não na preservação da vida. Não é à toa que as taxas de homicídios cometidos pela polícia no Brasil são muito altas. Trata-se de uma força policial militarizada, que vê os jovens, em especial os negros e os moradores de favelas e periferias, como potenciais inimigos que devem ser combatidos. E de uma política de “guerra às drogas” que vem sendo questionada e abandonada em várias partes do mundo.
A impunidade é um outro fator que alimenta o ciclo da violência. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, apenas 8% dos homicídios vira de fato um processo judicial. A polícia e o Ministério Público têm sido ineficientes quanto se trata de investigação criminal e o Poder Judiciário é moroso. Há falhas na investigação, na perícia, na reunião de provas que possam constituir um inquérito policial que, de fato, vire um processo criminal. Existe também um descaso generalizado de todas as esferas do sistema de justiça que não cobra maior eficiência dos organismos. É como se o Brasil pudesse desperdiçar tantas vidas e seguir em frente em meio à dor e sofrimento resultante destas perdas, sem tomar qualquer providência.
A maioria discorda. Pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 96% das brasileiras e brasileiros consideram necessário os governos se unirem para enfrentar a violência de forma prioritária. O levantamento mostrou que pelo menos 50 milhões de brasileiros com mais de 16 anos perderam um amigo, parente ou alguém próximo assassinado. Neste grupo, cerca de 20 milhões de pessoas perderam alguém em função de intervenções de agentes estatais. O mesmo estudo indica que 64% da população reconhece que as maiores vítimas de violência no Brasil são jovens, negros, do sexo masculino.
Enquanto a redução de homicídios não for uma prioridade do país, em todos os níveis e instâncias, nada vai mudar. Precisamos nos mobilizar para que tantos assassinatos, tantas mortes, em especial de jovens negros, não permaneçam naturalizadas. O destino dos jovens é viver. Você se importa?