Relatório aponta que houve tortura a estudantes em desocupação da Sefaz

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O Comitê Estadual Contra a Tortura divulgou, na manhã desta segunda-feira (26), relatório sobre a desocupação da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), em 15 de junho de 2016, apontando a incidência de tortura e tratamento cruel, desumano e degradante contra os estudantes, a maioria deles menores de idade. Elaborado pelo ativista de direitos humanos e integrante do comitê, Carlos César D’Elia, o relatório traz uma série de recomendações a serem adotadas por diversas esferas do poder público para prevenir, punir e reparar as vítimas desses casos.

A ocupação da Sefaz foi um movimento político realizado por cerca de 40 pessoas, incluindo 33 estudantes menores de idade, que resultou na ocupação de espaços da sede da pasta no Centro de Porto Alegre na manhã do dia 15 de junho. Os jovens protestavam contra o acordo firmado entre o governo do Estado e os estudantes que haviam ocupado a Assembleia Legislativa dias antes. Na ocasião, a Brigada Militar empregou a força para realizar a desocupação do prédio. Porém, vídeos divulgados na internet por jornalistas que estavam dentro do prédio no momento da ação policial, em especial pelo jornalista Matheus Chaparini, do Jornal Já, demonstraram o uso excessivo da força contra os jovens. Como saldo da operação, os 33 menores foram apreendidos e encaminhados para o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), enquanto dez adultos, incluindo os dois jornalistas, foram encaminhados para a delegacia de Polícia Civil e posteriormente para o Presídio Central e a Penitenciária Feminina Madre Pelletier.

 

Veja o relatório aqui.

 

Na apresentação na manhã desta segunda, D’Elia apontou uma série de situações de violência contra os jovens que ocuparam a Sefaz. Segundo ele, as mais graves decorrem da utilização do spray de pimenta, com as imagens e os depoimentos indicando que policiais forçaram que jovens abrissem a boca para jogar o spray. “A BM não observa qualquer critério técnico pra utilização do spray de pimenta”, disse. Por outro lado, indicou que os depoimentos e os vídeos demonstram que os estudantes estavam passivos, sentados no chão, o que por si só indicaria que não seria adequado uso do spray de pimenta, cuja orientação é para ser usado em situações de resistência e conflito. Ele lembrou que a mesma técnica equivocada de jogar spray na boca de uma pessoa foi utilizada recentemente com um torcedor durante uma partida na Arena do Grêmio.

Ele também apontou que um estudante foi levantado pelo pescoço por um policial e outra foi agarrada pelos seios, de forma proposital, o que caracterizaria tortura com recorte de gênero. O relatório ainda indica que um estudante negro foi alvo de palavras humilhantes de um policial em razão da cor da sua pele.

No Deca, aponta que não havia médicos para atender os menores atingidos pelo spray e com outros ferimentos. Já no DML, uma médica inicialmente teria se recusado, alegando motivos pessoais, a atender a jovem que denunciava ter sofrido agressão sexual e que só teria atendido depois de muita insistência da menor. Um depoimento coletado por D’Elia indica que essa recusa teria acontecido após a médica conversar com um agente policial momentos antes de atender a jovem.

Em relação aos maiores de idade presos, o relatório aponta que foram submetidas a revista excessiva, que não foi lhes oferecido a oportunidade de serem liberados mediante ao pagamento de fiança, que passaram o dia inteiro sem ter acesso a alimentação e que, os homens, foram submetidos à tortura psicológica ao serem encaminhados ao Presídio Central. Os depoimentos indicam que, na penitenciária, foram colocados de costas para a parede enquanto um policial arranhava uma faca na parede, os levando a ter medo de serem agredidos.

D’Elia apontou que, enquanto o Ministério Público pediu o arquivamento das denúncias contra os menores de idade, indicando inclusive que não houve dolo ao patrimônio público, continua tramitando na Justiça um inquérito contra os maiores de idade pelos mesmo motivo.

Ao final, o relatório traz como recomendações a federalização do caso; a revisão das práticas empregadas pela Brigada Militar em manifestações e protestos públicos; o estabelecimento de um protocolo estadual para reger e controlar a utilização de armas e instrumentos de menor potencial ofensivo que siga protocolos internacionais; a melhor capacitação de policiais militares e civis para a utilização destas armas e instrumentos; o desenvolvimento em caráter urgente de projetos de prevenção e combate à tortura, tratamentos cruéis, desumanos e degradantes para integrantes do Ministério Público Estadual e Federal, da Defensoria Pública Estadual e da União, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e da Procuradoria-Geral do Estado, bem como para servidores da Brigada Militar, da Polícia Civil, da Susepe, do DML e do IGP; a criação de protocolos nestas instituições para prevenção, punição e reparação de atos de tortura e análogos; que estes protocolos observem especificidades de gênero, cultura, raça e etnia, orientação sexual, idade e outros aspectos; que o Departamento de Medicina Legal adote imediatamente providências cabíveis para se adequar aos protocolos internacionais de combate à tortura; que sejam criados espaços e programas permanentes de acolhimento às vítimas; entre outras medidas.

 

Veja o relatório aqui.

 

Prática corrente

Falando na abertura do evento, o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) ressaltou o paralelismo entre as ações de reintegração de posse da Sefaz e da ocupação Lanceiros Negros, realizada no dia 14 de junho, ocasião em que foi detido pela Brigada Militar quanto tentava, como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, mediar a relação entre policiais, oficiais de justiça e os moradores. “Todo mundo percebe que a tortura é uma prática cotidiana de estado. A nós que somos vítimas cabe o peso da prova”, disse. Hoje, o estado de exceção travestido de democracia faz com que a indignação diante doa fatos durem apenas 24, 48 horas, que é o ciclo do noticiário”, complementou.

Jeferson ainda ponderou que é “muito grave” o que ocorre no RS do ponto de vista da omissão das instituições em apurar eventuais excessos e abusos cometidos por autoridades do estado.

Já o procurador do Ministério Público Regional Domingos Silveira destacou que a tortura tem caráter indizível, pois dificilmente ações de estado são nomeadas dessa forma, invisível, porque não há divulgação dos casos, e insindicável, uma vez que não são apuradas porque os agentes do estado que poderiam investigar os abusos muitas vezes se beneficiam de provas obtidas mediante tortura. “Não podemos vacilar em dar um nome aquilo, o que é apenas mais um capítulo do que a gente vive, que é um estado de barbárie. O que a gente viu na Sefaz e na Lanceiros Negros é a prática do estado de barbárie”, disse.

Representante das instituições públicas no Comitê, a defensora pública Mariana Py Muniz Cappellari salientou que práticas de tortura e de violência policial são rotineiras no País, lembrando o caso do massacre de Pau D’Arco, no Pará, em que dez trabalhadores morreram há cerca de um mês. Também ponderou que casos como o da Lanceiros Negros se repetem em outras reintegrações de posse com frequência, como no caso recente da comunidade Alto da Colina. Segundo ela, há na Defensoria Pública mais de 700 expedientes oriundos de denuncias de violência estatal.

 

Texto de Luís Eduardo Gomes
Fonte: Sul 21

 

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