6ª Conferência Municipal das Cidades

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Nos dias 1º e 2 de julho aconteceu a 6ª Conferência Municipal das Cidades, com o tema: “A função social da cidade e da propriedade: cidades inclusivas, participativas e socialmente justas. O Brasil urbano: a cidade que temos”. A conferência aconteceu no Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) e contou com o apoio da Prefeitura Municipal de Passo Fundo.

Na oportunidade refletiu-se sobre a situação das cidades brasileiras. De acordo com o último Censo, o Brasil tinha mais de 190 milhões de habitantes em 2010, 84 de cada 100 habitantes moravam em área urbana e, de acordo com os estudos da ONU, este percentual deve subir para 90% em 2020. Por isso, discutir a qualidade de vida nas cidades é tão importante.

 

A função social da cidade e da propriedade

Quando pensamos nas nossas cidades, no entanto, é preciso lembrar que, num país continental como o Brasil, com 5.570 municípios, muito diferentes entre si, variando sob diversos aspectos:

  • De cidades com pouca população (a menor tem 822 habitantes), à cidade de São Paulo, 6ª cidade mais populosa do mundo, com 11.895.893 habitantes, passando por cidades médias, que funcionam como polos regionais e atraem população em busca de oportunidades e de qualidade de vida;
  • De cidades isoladas, a cidades integradas, que fazem parte de grandes aglomerações urbanas e regiões metropolitanas;
  • De cidades com dinâmica populacional negativa a cidades que ainda crescem muito e muito rápido, como aquelas impactadas por grandes empreendimentos de infraestrutura e localizadas nas fronteiras agrícolas;
  • De cidades com economia de base agrícola a cidades industriais, ou cidades com economia centrada na prestação de serviços como é o caso de pequenas cidades turísticas;
  • De cidades que possuem inestimável patrimônio histórico a cidades cujo destaque é o patrimônio ambiental ou o patrimônio cultural;
  • Temos cidades litorâneas, amazônicas, com comunidades remanescentes de quilombos, com territórios indígenas, com áreas ocupadas por pobres, com áreas invadidas por ricos, e também temos cidades com tudo isso ao mesmo tempo.

São cidades com características e muito diferentes, que devem ser reconhecidas em alguns casos como desafio, em outros, como traço de identidade que ajuda a entender potencialidades e caminhos para o desenvolvimento urbano.

Mas, apesar dessas diferenças, quando olhamos para a urbanização brasileira percebemos processos históricos comuns a praticamente todas as cidades:

  • Desigualdade socioespacial, com áreas bem servidas de equipamentos e infraestrutura urbana, espaços públicos, arborização, e áreas com muitas carências;
  • Dificuldade histórica de acesso à terra e à moradia pelas populações mais pobres, o que levou a um déficit habitacional expressivo (5.430 milhões de domicílios em 2012, segundo a Fundação João Pinheiro), à formação de assentamentos irregulares e à ocupação precária de espaços urbanos: cortiços, favelas, vilas, loteamentos clandestinos;
  • Problemas fundiários, passando por situações em que não se sabe de quem é a terra: grilagem, disputas judiciais que se arrastam por anos, ausência de registro no cartório de imóveis, por exemplo;
  • Ausência ou ineficiência dos sistemas de transporte e mobilidade urbana;
  • Deficiências nos serviços de água e principalmente esgoto, como também nos sistemas de coleta e tratamento de resíduos sólidos;
  • Ocupação de áreas ambientalmente frágeis e de áreas perigosas, resultando na formação de áreas de risco associadas a deslizamentos e enxurradas, essas muito em decorrência das deficiências dos sistemas de drenagem;
  • Dificuldade de gestão do território pelos municípios, em decorrência de diversas deficiências: ausência de leis e normas claras de ordenamento territorial, uso e ocupação do solo, estrutura administrativa precária, insuficiência de recursos financeiros, inclusive devido a dificuldades de arrecadação de tributos;
  • Dificuldade de organizar a cidade a partir do interesse coletivo por uma insuficiência de espaços e de cultura de participação e por uma gestão orientada por interesses de alguns segmentos da sociedade que se sobrepõem em relação aos interesses da coletividade. Com isso prevalece a privatização das cidades pelo mercado, intensificando as desigualdades socioespaciais;
  • Apropriação privada e indevida de espaços públicos como praias e vias públicas por determinados segmentos da sociedade.

Função social da cidade

A função social da cidade está prevista no Art. 182 da Constituição Federal e sua compreensão está ligada a algumas ideias básicas:

  • A cidade é um bem comum que pertence ao conjunto de sua população;
  • A cidade é produto do esforço de todas e todos e não de só de alguns grupos;
  • A cidade deve oferecer qualidade de vida de forma equilibrada a todas e todos;
  • A cidade deve oferecer oportunidade aos mais pobres, em variadas dimensões: cultura, lazer, saúde, educação, transporte, moradia, infraestrutura, entre outros.

Pode-se dizer que a cidade cumpre sua função social quando o acesso a bens, serviços, equipamentos, espaços públicos, sistemas de transporte e mobilidade, saneamento básico, habitação, se dá de forma relativamente equânime pelo conjunto da população, de forma justa e democrática. Neste sentido, pode-se dizer que a função social da cidade envolve o direito a ter uma vida individual e coletiva digna e prazerosa, e a participar das decisões relativas à cidade, inclusive por meio da criação de novos direitos. A cidade, por ser um bem comum, deve ser orientada para cumprir essa função social.

Função social da propriedade

De acordo com a Constituição (art. 182, parágrafo 2º), “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor”.

A função social é uma medida de equilíbrio ao direito de propriedade, uma espécie de balança usada para impedir que o exercício do direito de propriedade em caráter privado prejudique um interesse maior da coletividade, de ter acesso ao bem comum da cidade.

A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que garante o direito de propriedade, em seu artigo 5º, diz que ela deve atender a sua função social.

Contudo, apesar de constar na Constituição, esse conceito está longe de ser concretizado, enfrentando resistências, inclusive, nos poderes judiciário, legislativo e executivo para sua efetivação.

A função social da cidade deve garantir a todas e todos o usufruto pleno de seus recursos. Desta maneira, não compreende a visão das cidades como meras porções territoriais, mas como locais de realização de direitos. Moradia, trabalho, mobilidade, saneamento e lazer devem beneficiar a todas e a todos os seus habitantes, e não estarem a serviço da acumulação do capital.

Para cumprir a função social da cidade é preciso que seus componentes, em especial a propriedade urbana, seja ela pública ou privada, também cumpram com a sua função social. Isto significa que o direito a propriedade urbana deve estar submetido à função social da propriedade.

Propostas

As atividades da Conferência reuniram uma série de propostas para serem levadas à Conferência Estadual. São elas:

  • Tomar o caso beira trilho como prioridade fundamental no enfrentamento da política de desenvolvimento urbano e de habitação, garantindo ampla participação para todas as pessoas ocupantes da área do beira trilho no processo de discussão, implementação e gestão de qualquer solução fundiária e urbanística, tanto de fixação no local (com retirada dos trilhos) quanto de reassentamento, além do comprometimento do governo federal, estadual e municipal com esta prioridade.
  • Regulamentação e cobrança do IPTU progressivo em 2017 sobre os vazios urbanos, com a destinação dos recursos à Habitação de Interesse Social;
  • Extinguir a renúncia fiscal (5%) do IPTU dos imóveis comerciais e destinação dos recursos à Habitação de Interesse Social;
  • Atualização da planta de valor venal dos imóveis valorizados por grandes obras de infraestrutura e investimentos públicos (Parque da Gare, Parque do Sétimo Céu, Vergueiro, Ciclovias, Praça Santa Terezinha, Praça do Hospital da Cidade, etc);
  • Cobrança de contribuição de melhoria dos imóveis beneficiados com asfaltamento para contribuintes que tenham renda acima de 3 salários mínimos;
  • Realização de audiências públicas para debater o Estudo de Impacto de Vizinhança de grandes prédios e projetos de investimento, com a imposição de medidas de compensação viária, de lazer, acessibilidade e sociais, pelos impactos causados;
  • Decretação/declaração das áreas ocupadas por famílias para efetivarem seu direito a moradia, como Zonas Especias de Interesse Social – ZEIS;
  • Suspensão dos processos de reintegração de posse de áreas municipais – despejo zero;
  • Intervenção do Município nos processos de reintegração de posse de áreas particulares- despejo zero;
  • Destinação da área doada pelo Município à empresa Girardi Autopeças, no bairro Valinhos, na qual não houve edificação por parte da empresa, às famílias que lá reivindicam seu direito à moradia adequada;
  • Regularização fundiária do assentamento Parque do Sol (Movimento Leonardo Ilha);
  • Criação de espaços permanentes que promovam a participação da comunidade nas decisões sobre planejamento urbano, certificando-se de que está evitando que a expansão urbana seja feita somente por interesses privados para o que, entre outras medidas, venha a qualificar a estrutura de pessoal e de atuação pública de tal forma a que seja sistemática, inclusive com órgãos adequados para tal;
  • Implementação de instrumentos previstos para a promoção de maior justiça fiscal, bem como a desapropriação e outros mecanismos previstos em lei, de tal forma a promover o desenvolvimento equilibrado e integrado da cidade como forma de efetivo enfrentamento dos vazios urbanos e das áreas de especulação imobiliária;
  • Realização de efetiva e massiva regularização fundiária, de tal maneira a facilitar o acesso ao financiamento público pelos ocupantes destas áreas, inclusive, quando for necessário declarando áreas como Zonas Especiais de Interesse Social;
  • Providenciar o mais imediatamente possível condições, inclusive pela elaboração de projetos técnicos e a viabilização de financiamento, para a resolução definitiva da problemática das famílias ocupantes da área beira trilho, considerando os subsídios levantados pelo Grupo de Tralho criado pela prefeitura em 2008, com ampla participação da comunidade, de modo especial da população diretamente envolvida, a fim de se certificar de que não persistirão quaisquer violações do direito à moradia dessa população;
  • Implementação dos instrumentos do Estatuto da Cidade [Lei Federal nº 10.257/2001] como IPTU progressivo nos vazios urbanos, outorga onerosa e não onerosa, parcelamento do solo, direito de superfície, de preempção, desapropriação de terras urbanas para habitação de interesse social e outros, visando a reforma urbana justa, urgente e necessária como forma de diminuir a desigualdade social e o déficit habitacional de Passo Fundo;
  • Avaliação e consequente revisão geral do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) [Lei Complementar nº 170, de 09/10/2006] já que completa 10 anos em 2016, tomando em conta as normativas previstas no Estatuto da Cidade [Lei Federal nº 10.257/2001] com participação direta de vários agentes em todos os momentos e processos e proposta metodológica de revisão que contemple ampla participação e debate público em estreito diálogo e tomando em conta a proposta metodológica apresentada pelo Fórum pelo Direito à Cidade e a Agenda 21 Local à Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan);
  • Democratizar a participação da sociedade civil no , enquanto não for criado o Conselho da Cidade;
  • Criar o Conselho Municipal da Cidade com caráter deliberativo e autonomia para propor, fiscalizar e monitorar a articulação de todas as políticas públicas das cidades, tais como: a política habitacional e urbana, de infraestrutura básica (energia elétrica e saneamento ambiental: água, esgoto, drenagem), de transporte coletivo e de serviços sociais como saúde, educação, segurança, lazer e cultura, de acessibilidade, entre outros aspectos, sendo composto conforme recomenda a normativa federal e aos moldes do Conselho Nacional da Cidade, tomando por base a proposta formulada pelo Grupo de Trabalho criado pela Prefeitura Municipal para tal finalidade e que aguarda envio ao Poder Legislativo;
  • Garantia do direito humano à moradia adequada através da atualização e implementação do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, a criação do Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social em vista da construção de um Sistema Municipal de Habitação de Interesse Social;
  • Incentivo ao associativismo e ao cooperativismo habitacional através de oferta de subsídios e de assessoria às iniciativas populares, grupos solidários, tanto na documentação, aquisição de área e produção de moradias;
  • Garantia do direito de acesso a água e energia, integrante do direito à moradia adequada, à popopulação, independente da situação da titulação jurídica da área, propriedade ou regularidade da  posse;
  • Destinação de no mínimo 5% do orçamento municipal para política de habitação de interesse social com ênfase  em melhorias nos assentamentos precários, visando desenvolvimento social, cultural, econômico para avançar na erradicação do déficit habitacional e na construção da reforma urbana com sustentabilidade;
  • Ampliação e efetiva implementação de programa de regularização fundiária e urbanística de ocupações urbanas em terrenos particulares e/ou públicos cuja ocupação seja pacífica e esteja em condições jurídicas de ser realizada e a estruturação de condições legislativas, urbanísticas e orçamentárias para os casos mais complexos;
  • Garantia de inclusão prioritária de ocupantes de áreas de risco e que estão em condições precárias de habitabilidade ou de sub-habitação (beira trilho, final de rua, faixa de domínio, banhados e outros) em programas de habitação de interesse social, de regularização fundiária usando os instrumentos de legislação adequados para tal.

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