Intolerância religiosa norteia debate

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Publicada originalmente em: 17/04/2019, por Claudia Dalmuth, em O Nacional.
Crédito: Gerson Lopes/ON


Reunindo líderes de sete religiões distintas,
o 1° Seminário de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa
fomentou a discussão acerca da liberdade de crença.

Embora no Brasil a liberdade religiosa seja um direito constitucional assegurado aos cidadãos graças à laicidade do Estado, não é raro presenciar manifestações preconceituosas voltadas às religiões que se afastam da cultura do cristianismo. O comportamento está enraizado no cotidiano de um país fortemente influenciado pelos saberes de uma religião predominante: a católica. Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), à época, existiam 40 grupos religiosos no país. Apesar da diversidade, a concentração de brasileiros que se declaravam católicos passava dos 64%, contra somente 0,3% seguidores de Umbanda e Candomblé, religiões afro-brasileiras que aparecem como as maiores vítimas de intolerância religiosa.

O assunto foi tema de debate, a partir da perspectiva dos Direitos Humanos, na noite de ontem (16), quando representantes do judaísmo, budismo, islamismo, matriz africana, catolicismo, luteranismo e espiritismo se reuniram no Seminário de Direitos Humanos e Religiosidade Popular. O evento aconteceu na Universidade Federal da Fronteira Sul e foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, com a intenção de debater o exercício da espiritualidade dentro das religiões e a liberdade de crenças assegurada pela Constituição Federal.

Para o historiador e Babalorixá da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilê Axé Orixá Urê, Bàbá Hendrix Silveira, que representou as religiões de matriz africana, a intolerância contra o povo de terreiro, por exemplo, é em grande parte motivada por um pensamento racista. “Existe um mapa sobre intolerância religiosa que aponta que, até hoje, as maiores vítimas são as religiões de matriz africana. Nós vivemos uma cultura muito cristianocentrada e, mesmo quem não é cristão, reproduz essa cultura. Isso acaba promovendo um estranhamento àquilo que foge do cristianismo, por parecer uma cultura exótica, e o exótico tende a ser generalizado como algo negativo, principalmente por conta do racismo. A história do Brasil se construiu inferiorizando os negros, é algo enraizado”, explica.

Assim, conforme Bàbá Hendrix, o que existe é um chamado racismo religioso. No caso das religiões de matriz africana, a tradição acaba sendo duplamente excluída por ser não-cristã e por ser de origem negra. “Isso independe de o vivenciador ser branco ou negro. Se a pessoa sai com suas vestes tradicionais da religião, ela vai ser vítima mesmo sendo branca. As pessoas desenvolveram um medo, um receio das tradições de matriz africana em função de ter sido pregado ao longo das décadas que é uma religião que promove o mau, por isso eles demonizam e perseguem. Mesmo dentro das escolas, as crianças que são de religiões de matriz africana são vítimas de bullying. Ou então os professores tentam trazer a questão da cultura africana e são repreendidos”, lamenta.


“Ninguém tem que tolerar nada, tem que aceitar”

Presidente da Sociedade União Israelita de Passo Fundo, Berel Natan Engelman é um dos quase 100 judeus que residem em Passo Fundo. Segundo ele, a pequena comunidade judaica do município não coleciona um grande histórico de intolerância. Em um cenário mundial, no entanto, Berel cita a época do Holocausto, quando milhões de judeus foram mortos pelo nazismo, simplesmente pela religião que praticavam. “Ainda hoje, na Europa, vemos muitos países tendo suas sinagogas e cemitérios pixados. Eu acredito no fator desconhecimento como o motivo para esse preconceito. Tudo que é desconhecido causa certo espanto. Outras vezes, é pura maldade. É uma intolerância em não suportar ver uma pessoa adversa a ela”, comenta o líder religioso. “E, apesar de chamarmos de intolerância, eu acho que não é uma questão de tolerar. Ninguém tem que tolerar nada, tem que aceitar”.

Dando corpo à observação de Bàbá Hendrix, de que as religiões mais perseguidas são aqueles que sofrem também pela questão do racismo, o dirigente do Centro Espírita Dias da Cruz, Paulo Afonso Eberhardt, comenta notar poucos casos de intolerância à religião espírita especificamente, mas observa um preconceito maior em relação a outras crenças. “Embora o espiritismo sofra algum preconceito, não percebemos aqui em Passo Fundo algo tão expressivo. Talvez, isso seja por ser uma religião já mais disseminada, pois acredito que muito da intolerância venha da falta de conhecimento. As pessoas não percebem o que é uma outra religião, só veem a sua própria. É um preconceito que crescem ouvindo no meio religioso, sem perceber que basta avaliar o contexto da outra religião para compreendê-la ao invés de julgá-la”.


Educação como caminho

Em consonância, os três líderes religiosos consideram que o caminho para combater a intolerância é o diálogo e o conhecimento de causa. “Para diminuir a intolerância, penso que seria importante promover a disciplina de Ensino Religioso. Muita gente acha que ela precisa ser eliminada porque promove só o cristianismo. Na verdade, isso é um problema de despreparo dos professores. A disciplina em si vai muito além, é a chave para promover desde a infância um discurso de respeito. Eu uso muito o discurso histórico para demonstrar como as diferentes culturas podem promover em harmonia, sem necessidade de disputa, porque a intolerância promove justamente isso, uma disputa por poder. Falta perceber como as religiões são ricas em conceitos e em filosofia”, defende o Babalorixá.



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