Publicada originalmente em O Nacional, em 13 de novembro de 2019, por Isadora Stentzler/ON
Foto: Isadora Stentzler/ON
“Demorou para acontecer”, disse a jovem que encontrou o corpo de Djalma Maestro, de 46 anos, morto ao lado da casa número 35 da Ocupação Valinhos, na tarde desta quarta-feira (13). Djalma, que segundo moradores era açougueiro, “e dos bons”, morreu eletrocutado, em uma das ocupações que há anos busca a regulamentação da distribuição de luz para os moradores, em Passo Fundo.
A jovem não quis se identificar. Disse que chegava em casa por volta das 15h, quando uma criança da comunidade a chamou. Inocente, acreditava que o homem caído no pátio da casa 35 da rua Santa Cruz havia sido mordido pelo cachorro que estava ao lado. “Desci com minha mãe e meu pai e logo vi o cordão em cima dele. Ele tava com a cabeça roxa. Percebi que tinha sido da luz e disse pra ninguém encostar”, contou a jovem, que depois de ligar duas vezes para o Corpo de Bombeiros e duas vezes para a Brigada Militar (BM) é que disse ter sido levada a sério.
Djalma não morava naquela casa e não se sabe o que fazia ali, já que o dono da residência trabalhava no frigorífico quando aconteceu a tragédia. “Eu conhecia ele”, disse o homem, que vive na casa com a esposa, e que também preferiu manter a identidade preservada. “Era gente boa. E o que ele estava fazendo aqui eu não sei. Mas da dó. Da pena”.
A Polícia Civil, que esteve no local junto do Instituto Geral de Perícias (IGP) e BM, descarta que possa se tratar de um homicídio e levanta a hipótese de acidente.
Perto do corpo também havia duas garrafas de bebida. Outro morador, mais próximo de Djalma, lembrou que estava com ele no bar horas antes.
Noite a velas
A tragédia reuniu a comunidade em volta da casa, até o corpo deixar a ocupação em um carro fúnebre, e fez com que a RGE, distribuidora Gaúcha de energia, interrompesse a distribuição de energia na ocupação Valinhos 1. Enquanto a jovem que encontrou o corpo lamentava a morte de Djalma, via-se os carros da empresa interrompendo a distribuição também na ocupação Valinhos 2.
“Eu moro aqui há nove anos. E há nove anos a gente luta pela regulamentação da luz. A gente não ta aqui porque quer. A gente ta aqui por uma necessidade. E já solicitamos a regulamentação da luz porque tudo aqui é gato. Mas queremos a regulamentação”, desabafou.
Sem luz, ela conversava com outras moradoras sobre o medo que tinha das carnes, compradas dias antes, estragarem, e também lembrava do dia que uma das casas da ocupação foi consumida pelo fogo após uma vela ser acesa. “E hoje vai ser a luz de velas”, lamentou.
O advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, Leandro Scalabrin, pontuou que a morte de Djalma foi uma consequência da restrição de direitos a que os moradores de ocupações estão sujeitos. “O Djalma é uma vítima da violação do direito à moradia de milhares de trabalhadores/as de Passo Fundo que moram em ocupações com condições precárias de energia elétrica, sem direito a água, uma necessidade básica sem a qual não há vida. Ele é um mártir. Existem aproximadamente 70 ocupações em Passo Fundo, com 20 mil moradores. Quantas pessoas mais irão morrer, ou casas serão destruídas pelo fogo, até que a sociedade e o poder público unam-se para pensar um grande projeto para moradia popular em Passo Fundo como aconteceu em torno do aeroporto de nossa cidade?”, questionou.
Protesto
Na noite de hoje, a jovem disse que se reuniria com a comunidade, ainda que às escuras, para organizar um ato para amanhhã, quinta-feira (14), na rua Niterói solicitando a regulamentação da rede elétrica. “Nós trabalhamos aqui. Nós pagamos impostos. Queremos nossos direitos!”
Em nota, a RGE disse que desligou a energia nos locais em que havia ligações irregulares e não citou previsão de regularização na distribuição. “No local, foi constatado que a ligação era irregular. A RGE desligou a energia neste local e, da mesma forma, em residências próximas que também possuíam ligações irregulares. O desligamento ocorreu por questões de segurança e para permitir o trabalho da perícia e agentes da segurança pública.”