Uma das maiores conquistas da democracia foi o direito ao voto
Por Rosângela Aparecida Borges/ Publicação original em O Nacional
Menos de uma semana para o segundo turno das eleições presidenciais, falar em democracia é lembrar do dever cidadão de cada brasileiro no próximo domingo: o voto. A maior conquista democrática do povo, vem sofrendo retração nos últimos 20 anos no Brasil.
Muitos não sabem, mas a data foi escolhida por ser o dia da morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Ele militava pela democracia e pelo fim da censura na ditadura militar. Foi torturado e assassinado e sua morte causou indignação e tornou-se um marco na luta pela redemocratização do Brasil, consolidada com a Constituição Federal de 1988.
Paulo Cesar Carbonari, doutor em filosofia e militante de direitos humanos, explica que no Brasil há uma construção de uma experiência democrática recente, de algumas décadas, vinda depois da ditadura militar que foi devastadora do ponto de vista da desmobilização, da violência e dos ataques àqueles que foram seus oponentes. “A construção da democracia deu um passo importante na década de 80, com a promulgação da Constituição Federal que tem na democracia seu núcleo, mas que também passou por várias mudanças e que essas mudanças não tiraram o sentido da democracia, mas reduziram a dimensão do que se chama de ‘estado democrático social de direito’. Talvez o social tenha sido um dos mais atacados nas mudanças constitucionais desde 1988”.
Carbonari destacou que a democracia no Brasil é recente, a partir da construção de uma experiência importante que previu na Constituição, que o exercício da democracia se daria pela participação direta, representativa e deliberativa. “Na democracia direta estão previstos plebiscitos e referendos, por exemplo, algo que o Brasil fez de forma escassa. A segunda democracia é a representativa, a mais comum, que é a eleição, a escolha dos representantes. A terceira, a democracia deliberativa é a participação da sociedade civil, em fóruns e espaços de controle social, com políticas públicas de formulação de garantias de direitos, como conferências e conselhos. Do tripé da compreensão da democracia, infelizmente temos muita ênfase apenas na representativa e devíamos equilibrar mais as três esferas”.
O filósofo lembra que as democracias são construções históricas e assim como podem ser fortalecidas, aprimoradas, qualificadas, também podem ser desmontadas. “O que aprendemos nos últimos anos, com várias experiências no mundo, inclusive no Brasil, é que a própria democracia pode criar seu avesso, gerar situações antidemocráticas que convivem dentro das próprias democracias. Várias experiências autoritárias, autocráticas vigentes no mundo hoje em dia são experiências cujos mandatários são fruto de processos democráticos. As democracias precisam ser cuidadas, cultivadas, sobretudo se quisermos pensar uma democracia não apenas como modo como escolhemos nossos representantes, mas como uma dinâmica de organização da convivência em sociedade”.
Não há democracia sem eleições e nem eleições sem democracia
Paulo lembra que a eleição é o momento fundamental onde a cidadania é convidada, tem o direito e o dever de participar, decidindo com seu voto a representação que terá nos espaços públicos de exercício do poder. “Precisamos garantir que o processo seja tranquilo, a escolha seja livre. Sabemos que o sistema de voto no Brasil é reconhecido no mundo inteiro e que qualificou a capacidade de recolhimento da vontade popular e, portanto, de construção de resultados que representem efetivamente o que é vontade da população”.
Entre os principais desafios à democracia, o professor ressalta a questão da necessidade de que as estruturas institucionais estejam fortalecidas e que não sejam desqualificadas. “Para que haja uma democracia é fundamental que seja possível as pessoas manifestarem suas opiniões e de modo que a diversidade presente na sociedade possa ser garantida. A garantia da possibilidade de todo cidadão, especialmente os excluídos dos processos de participação estarem incluídos. Outro desafio é a superação da pobreza, não somente a que diz respeito à falta de dinheiro, mas a vergonha, o retraimento da participação social de quem é considerado pobre”.
A democracia permite que as pessoas escolham e assumam o destino que querem para a sociedade
Giovani Corralo, Doutor em Direito pela UFPR, vice-diretor da Escola de Ciências Jurídicas da UPF, professor da graduação e do mestrado em Direito da UPF e dos mestrados da Universidade Agostinho Neto (Angola), salienta que a democracia que permite que as pessoas assumam a condução dos destinos da sociedade. “As pessoas aptas a participar do processo político, indistintamente, todas elas, nos dias de hoje dentro de uma compreensão de sufrágio universal, estão empoderadas para escolher seus governantes. Quando falamos de democracia vamos ter diferentes variações em razão dos sistemas eleitoral e de governo, onde no Brasil temos o sistema Majoritário e Proporcional, que também são matizes do sistema democrático”.
Corralo conta que há 2500 anos ocorreu em Atenas, um primeiro momento onde as pessoas se deram conta de que podiam construir um futuro a partir delas mesmas. “Essa passa a ser a grande importância da democracia e dos governos populares até os dias de hoje. Quando falamos de democracia falamos de um fenômeno que se universalizou no século 20 e que no século 21 passa por uma espécie de refluxo. Nos últimos 20 anos a democracia vem tendo uma retração quando comparamos todos os países no globo terrestre. Esta democracia é o modelo liberal, que acredito ser o mais bem posto pois coloca as pessoas a escolher aqueles que irão decidir por elas e a escolha de instituições que irão garantir direitos, baseados em constituições, além da existência de direitos garantidos por instituições”, disse.
Para o professor, falar em democracia liberal necessariamente significa falar em instituições, porque sem elas a democracia não se mantém. “Podemos fazer críticas, questionamentos às instituições existentes, mas não podemos ir de encontro, em sentido contrário, à sua existência. Sem instituições como uma imprensa livre, um poder judiciário independente e um parlamento autônomo a democracia não se mantém. Neste contexto a democracia é tão importante nesta quadra da história brasileira. Falamos de mais de 30 anos desta nova ordem constitucional, de uma democracia que apresenta um relevante grau de consolidação e falamos de uma democracia que deve ser preservada. Seja a participação das pessoas como votantes e/ou candidatas e destas instituições que garantam os direitos”.