Em um momento global marcado por conflitos geopolíticos, cortes em gastos sociais e retração de espaços democráticos, a defesa da participação social na saúde ganhou protagonismo na mesa-redonda ministerial “Avançando rumo a uma tomada de decisão mais aberta e inclusiva para a saúde: a participação social está sob ameaça?”, realizada nesta terça (20/05), como parte da programação da 78ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra.
O encontro reuniu ministros, especialistas e representantes da sociedade civil para discutir os riscos e as oportunidades da institucionalização da participação social como ferramenta central para garantir equidade, transparência e efetividade nas políticas públicas de saúde, a partir da resolução sobre o tema aprovada na última assembleia. Em destaque, estiveram as falas da presidenta do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernanda Magano, e do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que compartilharam a experiência brasileira como referência mundial em democracia participativa no setor da saúde.
Representando o controle social brasileiro, Fernanda Magano alertou para os retrocessos globais no espaço cívico, agravados por discursos de ódio, ataques à ciência e ao serviço público. “Estamos vivendo um momento em que a participação social está sob ameaça real. Mas é justamente por isso que devemos reafirmá-la como eixo estruturante da democracia e da saúde pública”, declarou.
Fernanda apresentou o modelo brasileiro de conselhos paritários, com 50% de usuários, 25% de trabalhadores da saúde e 25% de gestores e prestadores, destacando o impacto positivo dessa estrutura na formulação de políticas mais legítimas e sustentáveis. “É esse equilíbrio entre vozes diferentes que permite que o SUS avance com base na equidade e na inclusão. E é isso que deve inspirar a governança global da saúde”, completou.
Ela também ressaltou a importância de incluir a perspectiva de gênero, raça e etnia nos mecanismos de participação. “A equidade só se realiza quando reconhecemos as diferentes realidades da população. A participação precisa ser interseccional, inclusiva e institucionalizada.”

O ministro Alexandre Padilha destacou a importância histórica e legal da participação social no Sistema Único de Saúde (SUS), ressaltando que “a saúde no Brasil é construída a muitas mãos e com múltiplas vozes, por meio de conselhos deliberativos e conferências que envolvem gestores, trabalhadores e, majoritariamente, os usuários do sistema”. Ele relembrou os marcos legais da Constituição de 1988 e das Leis 8.080 e 8.142, que consolidam a participação como um dos pilares do SUS.
“Em tempos de desinformação, ataques negacionistas e restrições orçamentárias, a participação social não é só um direito – é uma ferramenta de resistência e construção coletiva. Precisamos expandi-la, não restringi-la”, afirmou o ministro.
Padilha e Magano ainda convidaram oficialmente os países membros do grupo central de implementação da resolução de participação social a participarem da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT), que acontecerá no Brasil de 18 a 21 de agosto, como oportunidade para fortalecer o intercâmbio internacional de boas práticas em participação cidadã na saúde.
Participação como ferramenta de resposta a crises
O evento também deu visibilidade a experiências internacionais, como o modelo norueguês de financiamento público à sociedade civil para garantir envolvimento qualificado dos usuários, e o caso do Quênia, onde a participação cidadã elevou significativamente a transparência orçamentária no setor saúde.
Esses exemplos foram apontados como evidência de que a participação social não é apenas um princípio democrático, mas um mecanismo concreto de resposta a emergências e de aprimoramento da eficiência e legitimidade das políticas públicas.
A mesa redonda reforçou a implementação da resolução sobre participação social aprovada na 77ª Assembleia Mundial da Saúde, em 2024, que recomenda aos países membros o fortalecimento institucional da participação popular na formulação de políticas públicas em saúde. A resolução propõe a criação de guias práticos, apoio técnico, financiamento a organizações da sociedade civil e eventos nacionais e internacionais para debater equidade e engajamento mundial para o tema.
Ao final do encontro, foi renovado o compromisso com a criação de ambientes mais seguros e eficazes para a voz cidadã nas decisões de saúde, com o Brasil reafirmando sua posição de vanguarda e convidando outros países a compartilharem experiências e somarem esforços na construção de sistemas de saúde mais justos, transparentes e resilientes.
Fotos e texto: Luiz Filipe Barcelos e Priscila Torres Ascom CNS