Roteiro da reforma: justificativas, mudanças e alternativas

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O InstitutoHumanitas Unisinos publica roteiro utilizado para palestra sobre a PEC 287/2016, que tratou da reforma da previdência, realizada no dia 11 de fevereiro de 2017, na reunião da FBP/SP, ministrada por Adriana Marcolino, economista que coordena a subseção Dieese da CUT Nacional. Confira.

As principais justificativas do governo para realizar a Reforma da Previdência

Os termos frequentemente utilizados para definir o cenário da previdência são: “bomba” demográfica, “explosão” das contas públicas, o “rombo do INSS” e a “catástrofe” fiscal. Mas olhando os dados, encontramos outros fatores, que demonstram o contrário. Esse debate vem desde que a constituição foi aprovada, e sentenciada por José Sarney como “A Constituição não cabe no orçamento do Brasil”, e repetida na nova proposta apresentada pelo Temer “Ponte para o Futuro”.

1. Demográfica

Dois fatores (1) envelhecimento da população (a participação dos idosos na população total vai saltar do patamar de 10% para cerca de 33,7% em 2060, projeção IBGE, 2013) principalmente em função da queda na fecundidade, que hoje está em 1,8 (taxa de reposição é de 2,1); (2) aumento da sobrevida aos 65 anos, de 18,5 anos para 21,2 anos mais relacionado à longevidade.

Mas a população de até 14 anos cairá (de 29,8% para 19,3%), contrabalanceando gastos públicos maiores com idosos e menores para a população jovem.

Além disso, o bônus demográfico (período em que teremos mais adultos em idade ativa do que jovens e idosos, ampliando a contribuição previdenciária).

Mas a arrecadação da previdência não é apenas pautada pela contribuição dos trabalhadores, mas a uma diversidade de contribuições, definidas na Constituição de 88, para resguardar as receitas da seguridade/previdência social. Outro fator que deveria ser pensado para minimizar esse efeito é a melhoria das condições no mercado de trabalho brasileiro.

O envelhecimento da população deveria fazer com o Estado brasileiro estivesse desenhando políticas para cuidados, atendimento médico, etc para os idosos.

2. Déficit

A previdência social faz parte da Seguridade Social (saúde, assistência e previdência) e portanto, foi definido para o sustento global dessas políticas uma fonte diversificada de financiamentos, entre eles, as contribuições previdenciárias de patrões e empregados.

O governo nunca organizou a Seguridade Social e apresentou o Orçamento da Seguridade como definido na Constituição. Diversos estudos revelam que o Orçamento da Seguridade Social sempre foi superavitário, que na verdade sobram recursos que são utilizados em finalidades não previstas na lei, e como ocorria na ditadura, a Seguridade Social continua a financiar a política econômica.

O governo também desconsidera que a Previdência faz parte da seguridade, com fonte diversificada de financiamento, considerando na contabilidade da previdência apenas as contribuições previdenciárias de patrões e empregados.

Além disso, diminuiu contabilmente a arrecadação da seguridade porque não considera a retirada de recursos decorrentes dos efeitos da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que retirou R$ 286 bilhões da Seguridade entre 2005-2012 (ANFIP, 2013); e desconsidera as renúncias tributárias, que impactam na arrecadação da Seguridade.

A construção desse déficit impede a construção do fundo da seguridade, que poderia sustentar as políticas previstas no futuro, em algum momento que de fato houvesse queda na arrecadação da seguridade social.

3. Problema Fiscal

Decorrente desses das questões demográficas, existiria um déficit, que tem impacto negativo sobre as contas publicas. Ignora que a situação fiscal está relacionada ao grande volume de isenções tributárias em um cenário de desaceleração da economia, a partir de 2012, da decorrência da grave crise econômica, com queda na atividade econômica, com aumento do desemprego, redução do mercado interno, e queda na arrecadação; e ao grande dispêndio com pagamento de juros, entre outros fatores.

Um fundo de longo prazo, como é a previdência, não deve ser gerido por uma lógica das flutuações de ciclos econômicos.

Se a previdência social não está quebrada, porque esse governo quer realizar a reforma da previdência?

O setor financeiro é o que mais pressiona o governo para que realize uma reforma da previdência, com atuação no curto prazo e de caráter excludente, em especial, por dois motivos: (1) Amplia o número de pessoas que irão recorrer à previdência privada; (2) Libera recursos do orçamento para garantir o pagamento de juros da dívida;

Destaca-se também que os demais setores empresariais tem interesse na reforma da previdência, para abrir espaço para redução das alíquotas que são pagas pelas empresas para o financiamento da aposentadoria.

Considerações gerais à PEC 287/2016

É resultado da aprovação da PEC 55/2016, que estabelece um teto de gasto para a União;

A PEC 287 não trata apenas da previdência, mas também de benefícios da assistência social;

O caráter é de desmonte e não de uma reforma – seu objetivo final é reduzir a população que tem acesso aos benefícios previdenciários e diminuir os valores de benefícios pagos;

Propõe uma alteração profunda no Regime Geral da Previdência Social (RGPS, para trabalhadores da iniciativa privada) e também mudanças nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS, dos servidos público da união, estados e municípios);

Define um conjunto de novas regras que dificultam a aquisição do beneficio. Mesmo as regras de transição já são mais duras que as existentes no modelo atual;

Caso o trabalhador consiga se aposentar, será bastante improvável que consiga a integralidade do beneficio a que teria direito;

Penaliza todos os trabalhadores, mas será ainda mais sentido pelas mulheres e aqueles que possuem vínculos mais precários no mercado de trabalho. A justificativa tem sido de que a “Previdência não pode resolver os problemas do mercado de trabalho”, o que se trata de um grande erro porque grande parte da base contributiva da previdência é o próprio mercado de trabalho;

Desconsidera a realidade existente no mercado de trabalho brasileiro (ainda desestruturado, apesar dos avanços desde 2003) e todas as distorções nele existente, aprofundando as desigualdades no momento da aposentadoria;

Ao mesmo tempo em que dificulta o acesso aos benefícios da previdência, dificultando sobremaneira a aposentadoria, também aumenta as restrições ao acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC);

Não propõe medidas para rever as renúncias fiscais (projeção de R$ 56,4 bilhões em 2016) e nem os débitos/sonegação junto à previdência (R$ 350,7 bilhões de débitos em 2015);

De um total de 103,4 milhões de pessoas na População Economicamente Ativa, apenas 58% possuem cobertura previdenciária (53 milhões no Regime Geral e 7 milhões nos Regimes Próprios) – com a PEC 287 essa cobertura irá cair, ampliado a pobreza e a pobreza extrema no médio prazo, diminuindo a “potência” da seguridade social enquanto política pública de diminuição das desigualdades sociais;

Essa reforma promove políticas concentradoras de renda e de ampliação das desigualdades e da pobreza (em 70% dos municípios, o valor dos repasses de aposentadorias e pensões é maior do que o repasse do FPM);

Revê o pacto construído na sociedade na Constituição Federal de 88, que garantia como objetivos da Seguridade Social a universalidade da cobertura e capacidade contributiva;

A Reforma da previdência é o exemplo claro da disputa pelos recursos públicos que está em curso na sociedade. No Brasil, os gastos com benefícios previdenciários representam 7,4% do PIB, os gastos com BPC representam 0,7% do PIB e por outro lado, os gastos com juros representaram 8,5% do PIB, em 2015.

Principais mudanças propostas

1. Idade aposentadoria – 65 anos para homens, mulheres, urbanos e rurais, setor privado e setor público; ampliação progressiva até os 70 progressivamente para BPC;

2. Tempo de contribuição – amplia de 15 anos para 25 anos tempo mínimo; 49 anos para recebimento total do benefício;

3. Cálculo do valor do benefício: média de todas as contribuições desde jul/94; ao invés das 80% maiores contribuições, como é atualmente;

4. Proibição de acúmulo benefícios (pensão + aposentadoria; mais de uma aposentadoria; mais de uma pensão);

5. Desvinculação salário mínimo para pensões (50% cota familiar + 10% por dependente; mínimo de 60%); BPC e Aposentadoria incapacidade;

6. Aposentadoria por invalidez (considera o tempo de contribuição para cálculo);

7. Aposentadoria especial (por exemplo, professores educação básica): avaliação individual ao invés de profissão/ocupação;

8. Regras de transição: 45 ou mais para as mulheres; 50 ou mais para homens – pedágio de 50% no tempo de contribuição;

9. Convergência de regras entre RGPS e RPPSs;

10. Convergência de regras entre segmentos populacionais: Mulheres _ Homens; Rurais _ Urbanos; Professores da educação básica _ Demais trabalhadores;

11. Questões a definir em lei complementar: Aposentadorias especiais (ameaça à saúde e gradação PCD); Contribuição de trabalhadores da agricultura familiar; BPC: vários itens (pobreza, família, gravidade da deficiência).

Principais grupos atingidos

A reforma prejudica todos os grupos, mas com destaque para dois vínculos historicamente mais precários no mercado de trabalho

Mulheres

A justificativa do governo é que a expectativa de vida ao nascer das mulheres é de 8 anos a mais do que a dos homens. No entanto, o que deve ser considerado é a sobrevida, medida que fornece a quantidade de anos de vida esperado para a população com mais de 65 anos – nesse caso a diferença é de apenas 3 anos.

A outra justificativa é a comparação internacional, ignorando que no Brasil:

– As condições no mercado de trabalho são mais precárias para as mulheres (informalidade, baixos salários, maior taxa de desemprego);

– As mulheres realizam cerca de 8 horas de trabalho reprodutivo (e não pago) por semana a mais do que os homens. Em 25 anos, serão 5,4 anos de trabalho a mais do que o realizado pelos homens; Em 49 anos de contribuição serão 9,1 anos a mais do que o realizado pelos homens (IPEA).

Com a ampliação do tempo de contribuição para 25 anos, segundo o IPEA, 47% das mulheres que contribuem atualmente, não conseguirão se aposentar.

Tudo isso em um cenário de ampliação do trabalho doméstico (cuidados com idosos, devido ao envelhecimento da população), e redução de serviços públicos (teto dos gastos).

Rurais

– A renda de grande parte das unidades rurais (grupo familiar) não possibilita pagar a contribuição anunciada pelo governo (que será definida posteriormente). Cerca de 62% a 80% dos trabalhadores rurais não conseguirão se aposentar, devido essa cobrança.

– Quanto ao aumento da idade, devido ao trabalho fortemente desgastante, e a entrada precoce no mercado de trabalho (78% dos homens e 70% das mulheres começam a trabalhar antes dos 14 anos no campo), as diferenças de sobrevida no campo e na cidade, é possível que parte dos trabalhadores do campo morra antes de chegar à idade de acesso ao benefício.

– Ignora que o segurado especial é uma política estratégica para manutenção da população no campo, especialmente para a produção dos alimentos. A taxa de permanência da juventude no campo cresceu 10 p.p. da década de 80 para a para 2010, esse cenário poderia se reverter, porque ignora os ciclos de produção no campo e as especificidades da vida rural.

– Ignora que a contribuição previdenciária não é individual, mas solidária.

Propostas para a Previdência Social

Propostas para melhorar a arrecadação

1. Uma política econômica que estimule o crescimento da produção e o emprego, ampliando a arrecadação, tanto via contribuição dos trabalhadores quanto a contribuição paga pelas empresas.

2. Revisão ou fim das desonerações das contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento das empresas (o Tesouro deixaria de fazer a compensação de R$ 22 bilhões/2015);

3. Revisão das isenções previdenciárias para entidades filantrópicas (arrecadação de R$ 11 bilhões);

4. Alienação de imóveis da Previdência Social e de outros patrimônios em desuso, por meio de leilão (não a há estimativa, mas além de levantar recursos, deixaria de perder com imóveis que estão se deteriorando);

5. Fim da aplicação da DRU sobre o orçamento da Seguridade Social (R$ 61 bilhões);

6. Criação de Refis para a cobrança dos R$ 236 bilhões de dívidas ativas recuperáveis com a Previdência Social (pelos menos R$ 100 bilhões foram classificados como médio e alto grau de recuperação);

7. Melhoria da fiscalização da Previdência Social (aumento do número de fiscais + aperfeiçoamento da gestão e dos processos de fiscalização) para combater sonegação e a informalidade (R$ 23 bilhões);

8. Revisão das alíquotas de contribuição para a Previdência Social do setor do agronegócio (R$5,3 bilhões);

9. Destinação à Seguridade e/ou à Previdência das receitas fiscais oriundas da regulamentação dos bingos e jogos de azar, em discussão no Congresso Nacional (R$ 15 bilhões).

Acesse aqui o quadro comparativo que mostra o funcionamento do atual modelo da Previdência e os impactos com a mudança no sistema.
Fonte: IHU

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