Desembargadores mantiveram por unanimidade a sentença do júri popular e decidiram pela execução provisória da pena / Maiara Rauber / MST
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu nesta quarta-feira (26), por 3 votos a 0, manter a sentença do júri popular que condenou o policial militar Alexandre Curto dos Santos em setembro de 2017. Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal também determinaram a prisão imediata do policial, aplicando o entendimento do STF de que deve haver a execução provisória da pena a partir da decisão de segunda instância, negando assim o direito de recorrer em liberdade.
O PM assassinou o agricultor sem terra Elton Brum da Silva em 21 de agosto de 2009, com um tiro de espingarda calibre 12 pelas costas. O crime ocorreu durante reintegração de posse efetivada pela Brigada Militar na Fazenda Southall, em São Gabriel, na Fronteira Oeste gaúcha, onde famílias reivindicavam terras para assentamentos.
A manutenção da pena era uma reivindicação dos trabalhadores rurais sem terra da região, que fizeram uma vigília do lado de fora do Tribunaldurante o julgamento.
Durante o processo, Santos assumiu a autoria do crime. Oito anos depois, em júri popular no Foro Central I da Comarca de Porto Alegre, ele foi condenado por homicídio qualificado, ou seja, por impossibilitar a defesa da vítima. Sua pena foi de 12 anos de prisão em regime fechado, perda de cargo e prisão imediata.
No julgamento de hoje, o TJRS manifestou-se sobre o recurso de apelação movido pelos advogados de defesa de Santos, com pedido para que o tribunal revisse a sentença de primeira instância. Na sessão, os desembargadores ouviram o Ministério Público Estadual, os advogados da família da vítima (assistência da acusação) e os advogados de defesa do policial.
“Há nove anos, o Massacre de São Gabriel, onde dezenas de pessoas foram feridas, inúmeras mulheres e crianças, atos análogos à tortura foram praticados e Elton Brum da Silva foi assassinado, estava impune. A decisão de hoje faz justiça, mesmo que tardia e mostra para a sociedade gaúcha e para a Brigada Militar que as forças policiais não podem atirar em mulheres e crianças, bem como em protestos, manifestações, greves e passeatas. Queremos apenas que massacres como o de Eldorado de Carajás, Pau D’arco e São Gabriel não se repitam, nunca mais. O julgamento faz um pouco de justiça a Roseli Nunes e Mariele Franco, e ao sindicalista Jair Antônio da Costa, cujos responsáveis estão impunes até hoje”, explica Leandro Scalabrin, advogado da família.
Reviravoltas
Após decisão do júri popular, em 21 de setembro do ano passado, Alexandre Curto dos Santos saiu do plenário de julgamento preso e foi recolhido ao Batalhão de Polícia Militar e Guarda (BPG) em Porto Alegre. No mesmo mês, uma nova liminar do TJRS garantiu a liberdade de Santos, mas ela foi cassada poucos dias depois, em outubro, no julgamento do mérito do seu Habeas Corpus e ele teve que retornar à prisão. Porém, em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a sua soltura, que ocorreu de forma silenciosa e sem qualquer comunicação ao TJRS.
Logo em seguida, o PM conseguiu se aposentar e recebe mais de R$ 10 mil dos cofres públicos, burlando a condenação de perda do cargo prevista na sentença do Tribunal do Júri. Enquanto isso, a família de Elton recebe do Estado o equivalente a 2/3 do salário mínimo da época do crime, ou seja, em torno de R$ 600. Além disso, a família ainda aguarda sua inscrição nos precatórios para receber do Estado indenização pelos danos sofridos.
O crime
O trabalhador rural Elton Brum da Silva foi assassinado aos 44 anos durante reintegração de posse da Fazenda Southall, um latifúndio improdutivo de mais de 10 mil hectares. Cerca de 300 soldados participaram da operação, autorizados pela então governadora Yeda Crusius (PSDB), que reprimiu cerca de 500 famílias que lutavam por Reforma Agrária. Dezenas de sem terra foram torturados e ficaram feridos. Elton deixou a esposa e uma filha menor de idade.
À época, Santos atuava no Pelotão de Operações Especiais do 6° Regimento de Polícia Montada (RPMon) de Bagé. O comando da Brigada Militar teria recomendado aos policiais prudência e uso de munição não-letal durante ação de reintegração de posse. O disparo fatal, no entanto, foi efetuado com munição real, a curta distância e pelas costas, tornando impossível a defesa da vítima. Conforme os advogados da assistência da acusação, “é expressamente proibido pelos regulamentos internos da polícia, por ordenamento jurídico e pelos tratados internacionais, a utilização de munição letal durante a realização de despejos forçados de famílias e movimentos sociais”.
Durante o júri popular, Santos afirmou ter trocado acidentalmente a sua arma por a de um colega, que possuía munição letal. Disse ainda ter atirado porque viu alguém segurando as rédeas de um cavalo da Brigada Militar. Ao disparar, alega não ter visto que a vítima estava de costas, devido presença de fumaça. No entanto, a acusação apresentou vídeo e fotografia da posição em que se encontrava Brum: de costas, sem poder prever ou defender-se do disparo de arma de fogo. Além disso, não havia fumaça no local. Segundo a perícia, Brum foi assassinado a uma distância de 3 a 5 metros. Mesmo se não fosse com munição letal, o disparo poderia ter matado por se tratar de curta distância.
Violência no campo
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) organiza dados referentes aos conflitos no campo desde 1985. Até o ano passado registrou 1.438 casos de conflitos em que ocorreram assassinatos, com 1.904 vítimas. Desse total, somente 113 foram julgados (8%) em que 31 mandantes dos assassinatos e 94 executores foram condenados.
Segundo o relatório Conflitos no Campo Brasil, publicado anualmente pela entidade, 2017 registrou o maior número de assassinatos no campo desde 2003. Foram assassinados 71 trabalhadores rurais, sendo que 31 casos ocorreram em cinco massacres, o que corresponde a 44% do total. Já as tentativas de assassinatos subiram 63% e ameaças de morte 13%.
Os assassinatos de trabalhadores rurais sem terra, indígenas, quilombolas, posseiros, pescadores, assentados, entre outros, tiveram um crescimento brusco a partir de 2015. O estado do Pará lidera o ranking de 2017 com 21 pessoas assassinadas (10 no Massacre de Pau D’Arco); seguido pelo estado de Rondônia, com 17; e pela Bahia, com 10.