Mãe de quatro filhos, Helena estava grávida quando foi presa. Desempregada e ameaçada de despejo, foi levada pela polícia por tentar furtar uma peça de carne e uma pomada para assaduras. Na prisão, não fez nenhum exame pré-natal. Sustentava a casa sozinha e sonha com sua independência financeira.
Aos 66 anos, Iara vendia perfumes para sobreviver. Durante duas décadas ela sofreu violência doméstica – era espancada, torturada, estuprada e ameaçada de morte pelo marido. Ao resistir a mais uma sessão de agressões, foi presa em flagrante.
Laura foi estuprada na infância e casou cedo para fugir das agressões da mãe. Envolveu-se com drogas, engravidou aos 14 anos e foi internada na Fundação Casa. Quando o marido foi preso, voltou para a casa da mãe e voltou a sofrer agressões. Foi presa por guardar drogas, atividade a que recorria para comprar leite para o filho. Na prisão, recebe as visitas do marido, mas não do restante da família.
As histórias fazem parte do relatório #MulheresSemPrisão, uma análise do sistema prisional e seus mecanismos sob uma perspectiva de gênero e da prisão provisória lançado pelo ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) com apoio do Fundo Brasil.
Helena, Iara e Laura são três das 34 mil mulheres que hoje vivem encarceradas no Brasil. Elas representam 6,4% do número de pessoas presas no país – duas em cada três são negras. Entre essas mulheres, 68% está presa por tráfico de drogas, o que diminui a possibilidade de responder aos processos em liberdade.
Com necessidades específicas, elas são encarceradas em um sistema prisional construído sob a ótica masculina. Têm diversos direitos violados. Enfrentam dificuldades de convivência com os filhos, de acesso à Justiça, à saúde. Muitas são abandonadas pela família e vivem isoladas.
O número de mulheres em privação de liberdade cresceu 567,4% no período de 2000 a 2014. Comparado a outros países, o Brasil tem a quinta maior população carcerária feminina do mundo, atrás de Estado Unidos (205.400 detentas); China (103.766); Rússia (53.304) e Tailândia (44.751).
A população feminina no sistema prisional foi um dos temas discutidos no seminário “Diálogos sobre a seletividade no sistema de Justiça Criminal”, realizado pelo Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) em Recife nos dias 21 e 22 de fevereiro. O seminário fez parte do projeto “Diálogos para mudanças: combate ao racismo estrutural no encarceramento provisório em Pernambuco, apoiado pelo Fundo Brasil em parceria com a Open Society.
Por meio de intercâmbio, outras organizações apoiadas pelo Fundo Brasil participaram da discussão.
Para Isadora Fingermann, do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), uma das participantes do debate, a lógica precisa ser a do desencarceramento, com medidas cautelares e penas alternativas que levem em consideração o perfil e as condições das mulheres.
“Precisa mudar a lógica de todo o sistema”, disse.
Durante o seminário, Sarah Nobre, do Inegra (Instituto Negra do Ceará), falou sobre as visitas feitas pela organização a mulheres presas, realizadas com o objetivo de contribuir para a garantia de direitos e a redução do número de presas provisórias.
“Eram momentos de trégua no massacre que são as prisões”, contou.
Na análise de Sarah, numa sociedade sexista está delegada às mulheres a tarefa de cuidar e negada a possibilidade de subverter a ordem do que estão destinadas a ser. Nesse contexto, as mulheres presas são abandonadas, esquecidas, por serem consideradas subversivas.
“É como se elas tivessem percorrido um caminho que não é para elas”, disse.
Em um cenário de retrocessos, a ativista defendeu que a resistência continue.
“Nós, mulheres negras, nunca saímos das ruas. O processo é de articular, aquilombar, tramar”.
Texto de Cristina Camargo
Fonte: Fundo Brasil de Direitos Humanos