Desproteção

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Portas fechadas. Luzes apagadas. Livros dispostos de maneira organizada na estante. Brinquedos dentro do baú. As salas apontam a ausência de crianças. O ambiente em que antes amparava as vítimas de violência sexual de Passo Fundo agora está silencioso e vazio. Pelo menos 40 crianças participavam de oficinas e recebiam atendimento clínico com psicólogos no Centro de Estudos e Proteção à Infância e à Adolescência (Cepia).

Desde o início deste ano, quando passou a vigorar o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) – lei federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014 – ficaram extintos os convênios que as prefeituras mantinham com instituições. Um desses vínculos, que foram quebrados com esta lei, era o que a prefeitura de Passo Fundo mantinha com o Cepia, vinculado a Sociedade de Auxílio à Maternidade e à Infância (SAMI).

A entidade recebia as crianças e adolescentes com suspeita de violência sexual, realizava uma avaliação, desenvolvia um atendimento com psicólogos e inseria as vítimas em um programa de fortalecimento de vínculos que ofertava oficinas de dança, música, teatro, artesanato, informativa, orientação sexual entre outros. O objetivo era a reinserção da criança e do adolescente na sociedade.

Sem o recurso recebido pela prefeitura, o Cepia precisou interromper esse atendimento. As 40 vítimas foram reencaminhadas para o Conselho Tutelar e repassadas para o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas) do Executivo municipal – responsável pelo atendimento. A não renovação apontou para fragilidades na rede de proteção, como a alta demanda para poucos profissionais especializados no atendimento, segundo o entendimento do Ministério Público (MP).

“Quando o município mantinha um convênio com o Cepia, o MP já verificava que era um número muito grande de casos concentrados no Creas e no Cepia, de modo que eram muitos casos em proporção ao número de técnicos tanto no Creas quanto no Cepia. Além disso, outras dificuldades como a ausência de carros e motoristas para a visitação sempre que necessário era percebida na estrutura de trabalho do Creas. Já naquela época o Ministério Público vinha exigindo do município algumas providências para garantir que houvesse o represamento desses casos”, enfatiza a promotora Clarissa Machado.

Em Passo Fundo são 3 psicólogos e 1 assistente social para atender 86 casos no Creas, segundo dados fornecidos ao Ministério Público (MP). Com a lei, o município informou ao MP faria um reordenamento de distribuição desse serviço, conforme Clarissa. “Eles afirmaram que fariam uma triagem pelo Creas que determinasse o que iria para o Cepia ou para qualquer outro órgão, porém o que aconteceu não foi isso. Eles acabaram não renovando a parceria com o Cepia, e ao meu ver isso só agravou a situação”, destaca a promotora.

A defasagem motivou a abertura de um inquérito civil do MP, que investiga as irregularidades na prestação de serviço público de atendimento às vítimas de violência sexual e violência física. Conforme a promotora, o órgão busca saber “com que estrutura eles darão conta de absorver a demanda que já tinha represada, aliada a demanda que agora está vindo do Cepia, desde janeiro deste ano”. Clarissa aponta uma das justificativas a ela apresentada pelo Executivo municipal. “O município argumenta, e com propriedade, que não tem como abrir concurso ou contratar, uma vez que já excede o percentual de comprometimento do orçamento em folha de pessoal, conforme estipula a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso seria mais um motivo para eles tercerizarem o serviço”, esclarece a promotora.

A secretária adjunta de Cidadania e Assistência Social (SEMCAS), Elenir Chapuis, defende que a demanda é suprida pelo município. “Dentro da nossa proposta de trabalho, eu creio que nós não temos falta de profissionais. O Creas atende também outras demandas, porém no PAEFI temos 86 casos em atendimento em todas as modalidades de violência, incluindo ofensa sexual e, destes, em aproximadamente 40 há suspeita desta violação de direitos. Todos foram acolhidos pelo Creas/PAEFI”, informa Elenir.

Questionada sobre a possibilidade de uma chamada pública, Elenir afirmou que ainda é cedo para saber se será necessário. “Em relação aos dados que temos até o momento, o município está atendendo os casos que chegam ao Creas/PAEFI e a saúde tem realizado o atendimento dos casos que foram encaminhados, portanto é precoce estabelecer o que mais se fará necessário. O interesse, esforço e trabalho do município é atender todos os casos e realizar os encaminhamentos pertinentes”, disse a secretária adjunta.

 

Acolhimento institucional

Os casos de acolhimento institucional são os mais graves de acordo com a titular da 5ª Promotoria Especializada do MP de Passo Fundo, Clarissa Simões Machado. “Dentro da matéria de proteção da criança e do adolescente tudo é prioritário, mas a criança e o adolescente acolhidos institucionalmente, ou em programa de família acolhedora, é o prioritário do prioritário porque sequer a família por eles, eles têm. Eles tiveram, além da violação de direitos que pode ter sido, no caso, violentados sexualmente, uma outra violação de direito, que é a privação do convívio em família”, pontua.

Aqui, o Ministério Público investiga outra irregularidade. Conforme a promotora, informações dão conta de que o atendimento psicológico prestado às vítimas é feito em grupos. “Se para estes, que são os casos mais agravados, o município não está conseguindo garantir um atendimento psicológico individualizado, o que resta para os outros?”, questiona Clarissa.

O Executivo municipal informou não ter conhecimento acerca do teor do inquérito, mas que o atendimento é dividido entre as secretarias de Assistência Social e de Saúde. “O que se refere a avaliação psicossocial é realizado pelos técnicos legitimamente lotados no CREAS, através do PAEFI, Serviço de Proteção e Atenção Especializado Indivíduos e Famílias. E o atendimento psicológico (psicoterapia) é realizado através da Secretaria de saúde. Os critérios de avaliação, atendimento e encaminhamentos são da autonomia do técnico que decide qual a metodologia a ser utilizada”, esclareceu Elenir Chapuis.

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