O Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Padre João (PT-MG), apresenta uma lista de quarenta ameaças aos direitos humanos que partem do legislativo. Parte das iniciativas já foi aprovada em 2016, parte ainda tramita. O levantamento foi elaborado em parceria com o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e com apoio de pesquisas realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, da Conectas Direitos Humanos e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
O documento integrará adendo do Presidente da CDHM e da Presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, Erika Kokay (PT-DF), ao Relatório Periódico Universal do Brasil à ONU. Fim dos direitos trabalhistas, restrição da fiscalização contra o trabalho escravo, retrocessos na reforma agrária e na função social da propriedade, venda de terras para estrangeiros, monopólio das sementes, liberação ainda maior dos agrotóxicos, fim do licenciamento ambiental, fim das demarcações indígenas, proibição do casamento homoafetivo, restrição ao atendimento de vítimas de estupro, restrição à laicidade do Estado, restrição da liberdade de ensino, redução da maioridade penal, aumento da internação para adolescentes no sistema socioeducativo, exposição de criança e adolescente em conflito com a lei, redução da idade de trabalho, revogação do estatuto do desarmamento, desmonte do Estado e das políticas que garantem direitos sociais, reforma da previdência, privatizações, entrega do Pré-sal, fim da autonomia da EBC e legalização de procedimentos penais de exceção são temas da pauta. Abaixo explicamos tudo.
Direito ao trabalho
1. Reforma trabalhista. O Projeto de Lei de autoria do Presidente Michel Temer, apresentado em regime de urgência, deve ser aprovado no primeiro semestre de 2017, segundo o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A finalidade deste PL é retirar direitos dos trabalhadores para baratear o custo da força de trabalho. Além disso, as negociações que se sobrepõem a direitos garantidos por lei não precisarão ser feitas pelos sindicatos: podem ser feitas por representantes do conjunto de trabalhadores da empresa, o que torna ainda mais aguda a desigualdade da relação e solapa a lógica da representação sindical. (PL 6787/16).
2. Terceirização. O projeto que permite a terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente ocorre, foi aprovado pela Câmara e está na ordem do dia do Senado. Essa proposta e o PL 6787 são as maiores investidas da história contra o legado varguista, que instituiu um sistema de proteção aos trabalhadores no Brasil. (PL 4302/1998).
3. Trabalho escravo. Em 2014 foi aprovada a emenda constitucional de n° 81, que determina expropriação de áreas nas quais for utilizado trabalho escravo. A emenda precisa ser regulamentada por lei para ser efetiva. Entretanto, a nova regulamentação proposta é um retrocesso, pois inviabiliza a atuação exercida atualmente pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate a essa prática. (PLS 432/2013).
Direitos ao meio ambiente, ao acesso à terra e à alimentação adequada
4. Desreforma agrária. O governo apresentou medida provisória que significa retrocesso em relação às parcas conquistas da reforma agrária. São duas linhas mestras. A primeira tem por finalidade liberar terras para o mercado. A proposta prevê o pagamento em dinheiro de terras adquiridas para a reforma agrária. Ela pretende ainda dar título de propriedade aos assentados, o que é uma janela para a reconcentração fundiária. Hoje, os títulos concedidos aos beneficiários são inegociáveis. A segunda linha é a de fragilizar a organização social no campo. A proposta desconsidera a existência de acampados organizados em movimentos sociais, e prevê abertura de editais amplos para candidatos a beneficiários. (MPV 759/2016).
5. Rotulagem de transgênicos. A Câmara aprovou o fim da exigência do símbolo “T” nos produtos que contêm até 1% de componentes transgênicos. O projeto fere o direito à informação e à escolha a uma alimentação saudável. A proposta está pendente de apreciação pelo Senado. (PLC 34/2015).
6. (des)Função social. Um PL que está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça restringe ainda mais os requisitos da função social da propriedade. Pela proposta, além de a propriedade não precisar cumprir os critérios ambiental e trabalhista, passa a não ser mais necessário o cumprimento simultâneo dos requisitos de “utilização da terra” e de “eficiência na exploração” para comprovação da produtividade da propriedade rural. (PL 5288/2009).
7. Venda de terras para estrangeiros. Desde 2015 a proposta que permite a venda de terras para estrangeiros está com urgência aprovada, para que possa ser apreciada pelo Plenário da Câmara. Defendido pela bancada ruralista, o PL viola a soberania nacional. Alexandre Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, sintetiza: “Numa ponta, nós lutamos pela distribuição de terras para produzir alimento; na outra, eles querem justamente entregar essas terras e jogar as comunidades para as periferias das grandes cidades”, agravando a exclusão social. (PL 4059/2012)
8. Monopólio das sementes. Está prestes a ser votado, em comissão especial, a proposta de proteção de cultivares. O PL restringe a possibilidade de multiplicação de sementes protegidas e exige autorização do detentor da patente para que o agricultor comercialize o produto da colheita. Trata-se de projeto que favorece multinacionais do agronegócio, que concentrarão mais poder sobre a reprodução de sementes. (PL 827/2015).
9. Agrotóxicos. Comissão especial da Câmara se debruça sobre proposta de fragilização do processo de controle dos agrotóxicos no Brasil, que já ocupa, mesmo sem essa inovação legislativa, a primeira posição no consumo mundial de veneno na comida. A proposta altera o nome de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, restringe a ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e aumenta o peso dos interesses econômicos contra os direitos à saúde, à alimentação adequada e ao meio ambiente. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar se posicionou oficialmente contra a proposta. (PL 6299/2002 e PL 3200/2015).
10. Mineração. O projeto de Código da Mineração vai no sentido contrário ao das necessidades indicadas pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, provocado pela mineração empresarial: a tragédia de Mariana. O código mais incentiva que regula a mineração. Os substitutivos apresentados – um dos quais escrito no computador de uma mineradora – fragilizam o controle estatal e a capacidade de o Poder Público atuar no planejamento desse setor estratégico. (PL 37/2011).
11. Fim do licenciamento ambiental. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou que acordou com o Governo Federal a aprovação do “auto-licenciamento” ambiental – que permite às empresas obter o licenciamento com o simples preenchimento de um formulário, retirando do Estado o poder de controlar os empreendimentos em prol do meio ambiente. Segundo a mesma fonte, este acordo permitirá, ainda, a dispensa do licenciamento. Outro projeto, apelidado de “fast track” ambiental, simplifica o licenciamento. Além disso, três projetos legislativos apresentados pela bancada ruralista visam a autorizar a construção de hidrovias sem necessidade de licenciamento ambiental, nos rios Tapajós, Tocantins e Araguaia, e Paraguai. A informação é do site Intercept. (PL 3729/2004, PLS 654/2015, PDCs 118, 119 e 120/2015).
Direitos dos povos indígenas
12. Fim das demarcações indígenas. A Proposta de Emenda à Constituição, que já foi aprovada em Comissão Especial e está pronta para o Plenário da Câmara, prevê a competência do legislativo para demarcar terras – o que impossibilitará, na prática, futuras demarcações. Além disso, transforma as terras tradicionais em equivalentes da propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida do agronegócio e das mineradoras sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de tradicionalidade. A PEC estende o “marco temporal” (necessidade de estar sobre a terra tradicional na data de promulgação da Constituição de 1988) também às comunidades quilombolas. Ou seja, é danosa também para essas comunidades tradicionais. Algumas demandas de ruralistas expressas na PEC 215 foram regulamentadas por Portaria do Ministro da Justiça. A norma, de hierarquia inferior à lei, relativiza o parecer técnico da FUNAI. Agora, o Ministério da Justiça pode rever o procedimento. A Portaria abre espaço para pressão dos ruralistas e para adoção imediata do “marco temporal”. A norma, além de inconstitucional, fere a Convenção 169 da OIT, que determina que os povos indígenas devem ser consultados previamente sobre medidas que os afetem. (PEC 215/2000, Portaria n° 68, de 14 de janeiro de 2017).
13. CPI do INCRA e da FUNAI. Tramita, desde novembro de 2015, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para investigar as atividades da Fundação Nacional do Índio e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária na demarcação de terras indígenas e quilombolas. A CPI está em sua segunda versão, pois foi extinta e recriada na sequência durante esse período. Seu maior objetivo é paralisar o processo de reforma agrária e a demarcação de terras tradicionais. O colegiado, comandado por ruralistas, tem se dedicado a investir contra minorias e trabalhadores do campo, perseguindo, com fundamentos políticos e não técnicos, gestores, lideranças e pesquisadores que atuam em causas relacionadas à questão agrária. Seus trabalhos, conduzidos de forma parcial, arbitrária e atabalhoada, padecem de vícios profundos. As arbitrariedades da CPI podem ser sintetizadas em quatro aspectos: a) falta de fato determinado para a investigação, que é uma exigência constitucional; b) prorrogação do seu funcionamento sem acordo e fora dos requisitos regimentais — em menos de duas semanas a CPI, extinta por ter extrapolado em muito o prazo regimental, foi recriada; c) diligências em terras indígenas sem autorização dos indígenas e com a presença de policiais armados na tomada dos depoimentos; d) quebra do procedimento — em uma CPI, o correto é se aprovar os pedidos de indiciamento após a conclusão dos trabalhos. Nesta, entretanto, aprovou-se solicitação de abertura de inquéritos disciplinares e policiais contra Procuradores Federais, antropólogos, professores e lideranças indígenas, antes do relatório final. Além disso, ocorreu quebra de sigilo de diversas organizações da sociedade civil, inclusive científicas e religiosas, antes do relatório final. Dentre elas, do Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica, a mais importante organização não-indígena de apoio à causa indígena no Brasil. Foi aprovada também a quebra de sigilo da Associação Brasileia de Antropologia (ABA) – os cientistas têm sido um dos principais alvos da ofensiva ruralista.
Direitos das mulheres e das pessoas LGBT
14. Estatuto da família. Foi aprovada por Comissão Especial a proposta que retira os casais homoafetivos do conceito de família. Casais formados por pessoas do mesmo gênero, pela proposta, não podem se casar ou estabelecer união estável, tampouco podem adotar. O Brasil já permite o casamento e a adoção por casais homossexuais, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal. É um retrocesso. O Estatuto aguarda apreciação pelo Plenário da Câmara. (PL 6583/2013).
15. Restrição ao atendimento de vítimas de estupro. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou o projeto que criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez. No caso de estupro o aborto só será permitido com exame de corpo delito. O projeto ainda prevê que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. Ou seja, o profissional de saúde não é obrigado a dar as devidas orientações para uma vítima caso este profissional considere que pílula do dia seguinte é abortiva ou que aborto em caso de estupro não é adequado. A proposta está pronta para apreciação pelo Plenário da Câmara. (PL 5069/2013).
16. Aborto como crime hediondo. Quatro PLs em tramitação pretendem tornar o aborto um crime hediondo – tão grave quanto homicídio praticado por grupo de extermínio e estupro de criança, por exemplo. Os crimes hediondos não são suscetíveis a graça ou indulto. (PL 4703/1998, PL 4917/2001, PL 7443/2006 e PL 3207/2008).
17. Nascituro. Há diversos projetos que dispõem sobre os direitos do nascituro, que tramitam em conjunto, sob o nome de Estatuto do Nascituro. A proposta já foi aprovada em duas comissões – Finanças e Tributação e Seguridade Social e Família. A proposta dá uma pensão à mãe de filho gerado a partir de um estupro, além de prever direitos de paternidade ao agressor. (PL 478/2007).
18. Contra o reconhecimento de pessoas LGBT. Além do Estatuto da Família, tramitam projetos que propõem a vedação de adoção por casal homoafetivo; a criminalização da “heterofobia”; a criação do “Dia do Orgulho Heterossexual”; a criação de nova causa de anulação do casamento — “a ignorância, anterior ao casamento, da condição de transgenitalização, que por sua natureza, torne insuportável a vida do cônjuge enganado com a impossibilidade fisiológica de constituição de prole”; o cancelamento do decreto sobre o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, entre outros. (PL 4508/2008, PL 620/2015, PL 7382/2010, PL 1672/2011, PL 3875/2012, PDC 395/2016).
19. (não)Diversidade nas escolas. Um projeto pretende vetar o debate sobre a igualdade de gênero – ou a promoção da ideologia de gênero — por qualquer meio ou forma do sistema de educação. Outro criminaliza a veiculação “em atos normativos oficiais, em diretrizes, planos e programas governamentais, de termos e expressões como ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘discriminação de gênero’, ‘questões de gênero’ e assemelhados, bem como autorizar a publicação dessas expressões em documentos e materiais didático-pedagógicos, com o intuito de disseminar, fomentar, induzir ou incutir a ideologia de gênero”. (PL 2731/2015, PL 3236/2015, PL 3235/2015)
Direito à laicidade do estado
20. Educação. Tramitam na Câmara algumas propostas dispondo da obrigatoriedade do ensino religioso, da Bíblia ou do criacionismo nas escolas. Hoje a Lei de Diretrizes e Bases estabelece que o ensino religioso é facultativo, devendo ser respeitada a diversidade, sendo vedado o proselitismo. (PL 309/2011, PL 943/2015, PL 8099/2014,).
21. Ação de inconstitucionalidade por entidades religiosas. Foi aprovada por comissão especial a proposta que diz que as Associações Religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade no STF. No Brasil um rol de entidades bastante restrito pode ingressar com ação desse tipo. Ao permitir entidades religiosas sem permitir outras de cunho social, a laicidade do Estado é profundamente ferida. A matéria está pronta para apreciação do Plenário. (PEC 99/2011).
Direito à educação
22. Reforma educacional. A maior reforma educacional em décadas foi apresentada por meio de Medida Provisória. Quanto ao método, a proposta foi desenhada sem discussão com a sociedade civil organizada, que inclui professores, estudantes, pesquisadores e gestores. Quanto ao rito, uma MP tem trâmite célere, já que seu requisito constitucional é a urgência. Contudo, mudança de tamanha dimensão deveria ser discutida com cuidado, nos detalhes, para que erros sejam evitados e o governo não tenha que voltar atrás no futuro. Quanto ao conteúdo, apesar do recuo anunciado pelo Ministério da Educação, a MP de fato retirou a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia e filosofia. Apenas matemática e português continuaram como matérias obrigatórias nos três anos do ensino médio. O objetivo central da proposta é privilegiar a formação técnica, na qual o estudante opta por uma ênfase curricular, em vez de uma formação mais abrangente. Assim, o ensino médio será dividido em dois blocos. O primeiro, chamado “Base Nacional Comum Curricular”, terá no máximo 1.200 horas da carga total, ou seja, pode ocupar no máximo 50% da carga horária atual do ensino médio, ou no máximo 28,5% da carga horária almejada para o ensino médio. O segundo é chamado “Itinerários formativos específicos”, será organizado conforme as seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; e formação técnica e profissional. São admitidos profissionais com “notório saber” para ministrar as disciplinas, o que “institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade do ensino”, conforme pontua o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. A proposta, conforme o MNPS, sonega o “direito ao conhecimento e compromete uma formação que deveria ser integral – científica, ética e estética”. A MP está em sintonia com o movimento “Escola sem Partido”, que visa a proibir a veiculação de conteúdos críticos no ensino. Além disso, favorece as corporações do ensino, já que encarece os custos da educação. Ao mesmo tempo em que o governo impõe por media provisória uma reforma educacional caríssima, o executivo patrocinou a PEC do teto de gastos, que prevê a redução sistemática do investimento público em programas sociais. Provavelmente a solução para o paradoxo será transferir a responsabilidade sobre o ensino médio à esfera privada. A Câmara alterou o texto original, que precisa ainda ser apreciado pelo Senado. (MP 746/2016).
23. Escola Sem Partido. O projeto de “Programa Escola sem Partido” inclui, como diretriz da educação nacional, o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”. A proposta viola, por isso, a Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância. Foi criada uma comissão especial para analisar o projeto. (PL 867/2015, PL 7180/2014).
Direitos das crianças e dos adolescentes
24. Redução da maioridade penal. Foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Agora a PEC está no Senado. A idade penal de 18 anos é um direito humano previsto na Constituição e por isso é cláusula pétrea. A Convenção sobre Direitos da Criança da ONU de 1989 também afirma que 18 anos é o marco da idade penal. A Constituição estabelece o direito à proteção especial da criança e do adolescente, que inclui “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”. (PEC 115/2015).
25. Aumento da internação para adolescentes no sistema socioeducativo. O Senado aprovou e a Câmara agora aprecia, em comissão especial, proposta de aumento do tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei. “O texto do Senado eleva o tempo máximo de internação de adolescentes de três para dez anos em casos de homicídio doloso (com a intenção de matar) e de atos descritos na lei de crimes hediondos, sempre que cometidos com violência ou grave ameaça (como estupro e latrocínio). A partir dos 18 anos, o adolescente nessa situação deverá ser transferido para uma unidade ou ala separada dos demais”. Para a CONECTAS, é falsa a ideia de que o aumento da sanção pode reduzir a criminalidade – é o caso da ampliação dos crimes hediondos, sem impacto estatístico nos crimes — ou de que os problemas sociais serão solucionados pelo direito penal (PL 7197/2002 e apensos).
26. Exposição de criança e adolescente em conflito com a lei. A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou o PL que permite a divulgação de imagem de criança ou adolescente a quem se atribui ato infracional. O Coletivo Intervozes manifestou-se contra a proposta, que foi aprovada sem sequer uma audiência pública para debatê-la. Agora o PL será apreciado pela Comissão de Segurança Pública. (PL 7553/14).
27. Redução da idade de trabalho. Está pendente de deliberação a apreciação a PEC que pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). A proposta fere a Constituição e tratados internacionais sobre proteção à adolescência. (PEC 18/2011).
Direito à vida
28. Armamento. Comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. Há facilitação para o porte rural de arma de fogo, o que deve contribuir para intensificar a violência no campo, particularmente os ataques de milícias rurais a trabalhadores sem-terra e membros de comunidades tradicionais. O projeto está pronto para apreciação pelo Plenário da Câmara. Por outro lado, está parada a ratificação pelo Brasil do Tratado de Comércio de Armas (que regula o comércio internacional de armas para evitar que elas sejam extraviadas e utilizadas para cometer genocídio, crimes contra a humanidade, etc). (PL 3722/2012, PDC 298/2015).
Direitos sociais e bem-estar
29. Desmonte do estado. Foi promulgada, em dezembro, a Emenda Constitucional proposta pelo Presidente Michel Temer, que institui um novo regime fiscal que congela os gastos públicos por 20 anos. Trata-se da medida legislativa com mais impacto social e econômico da história. O estudo “Austeridade e Retrocesso – Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil”, elaborado pelo Fórum 21, pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), pelo GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP); e Plataforma Política Social, aponta que a emenda comprometerá atividades estatais básicas e as políticas públicas de educação, saúde, assistência social, infraestrutura, transporte, energia, ciência, fomento à agricultura e à indústria, etc. Os impactos devem ser severos para os setores médios e baixos da população, que se utilizam diretamente dos serviços públicos. Por outro lado, a PEC favorece os rentistas, pois juros e amortização da dívida pública não entram no teto. A emenda veda, ainda, políticas anticíclicas, que poderiam ser acionadas em momentos de crise, além de ser indutora de recessão econômica, já que provoca o ciclo vicioso da austeridade. A proposta implica também em redução do valor real do salário mínimo. A PEC tende a fazer terra arrasada de todo o aparato de desenvolvimento e proteção social construído desde a década de 1930. Como aponta o economista Marcelo Zero, o mecanismo previsto “não existe em nenhum lugar do mundo e impõe uma absurda austeridade permanente, que independe do ciclo econômico e do controle democrático”. Pelos cálculos do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a mudança deve reduzir em 50% os recursos – já insuficientes – aplicados na área. (EC 95 de 2016).
30. Reforma da previdência. O governo apresentou proposta de reforma da previdência na qual o trabalhador precisará contribuir por 49 anos para assegurar o recebimento do teto do regime geral da previdência. A proposta estabelece paridade entre homens e mulheres e entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. A PEC restringe o BPC (Benefício de Prestação Continuada). A aposentadoria sem contribuição para o trabalhador rural é extinta, assim como a aposentadoria especial de professores. A agenda divulgada do secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda mostra que ele se reuniu dezenas de vezes com empresas de previdência privada, mas com sindicatos representantes dos trabalhadores, apenas no dia em que a proposta foi entregue ao Congresso. Os militares são os únicos poupados pela reforma. Eles, entretanto, são responsáveis por 48% do déficit da previdência, segundo estudo do consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados. A proposta já foi admitida pela Comissão de Constituição e Justiça (PEC 278/2016).
31. Orçamento. Segundo análise feita pelo site Gestão Pública da proposta orçamentária para este ano, a PEC implicou “em reduções significativas, em comparação ao orçamento do ano passado, em áreas centrais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e que devem certamente comprometer a implementação de políticas públicas em todas as esferas da federação, sobretudo, em Estados e municípios: desenvolvimento regional – redução de 81, 2%; moradia digna – redução de 56,7%; reforma agrária– redução de 52,6%; igualdade racial – redução de 42,2%; mulheres e igualdade de gênero– redução de 40%; principais programas sociais – redução de 14%; educação) – redução de 10%; inclusão social e bolsa família – 7,4%; fortalecimento do SUS – redução de 5,6%”. “Por outro lado, a PEC não parece impactar as áreas como investimento militar e o agronegócio, que terão aumento significativo em seu orçamento”. O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Governo para o ano de 2017 tem a redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos e as comunidades tradicionais (estudo da Liderança do PT). A proposta estabelece um teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias da Funai. Trata-se do menor valor orçado para a Fundação nos últimos 10 anos (de acordo com A Pública).
32. Programa de Parcerias de Investimento (PPI). Foi aprovada a medida provisória de Michel Temer que instituiu o programa de privatizações de seu governo. A proposta, segundo o Deputado Nilto Tatto (PT/SP), é orientada “à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e às privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas”. A MP traz um apêndice que fragiliza o licenciamento ambiental – que é o principal instrumento de análise dos impactos ambientais de qualquer tipo de empreendimento. (Lei Ordinária 13334/2016).
33. Entrega do pré-sal. O legislativo aprovou a proposta de autoria do atual Ministro das Relações Exteriores, Senador licenciado José Serra (PSDB/SP), que retira a participação obrigatória da Petrobrás em pelo menos 30% da exploração do Pré-Sal – provavelmente a maior reserva energética do mundo. Conforme apontou a Federação Única dos Petroleiros, trata-se de entregar a reserva às multinacionais, o que significará menos recursos para políticas públicas “e o fim da política de conteúdo nacional, que gera empregos, renda e tecnologia para o nosso país”. (Lei Ordinária 13365/2016).
34. Renegociação das dívidas dos estados. O Congresso Nacional aprovou o projeto de renegociação da dívida dos Estados. Para aderirem ao programa, os estados devem se submeter, por dois anos, aos requisitos da Emenda do teto de gastos. A Câmara rejeitou, porém, dispositivos inseridos pelo Senado, como aumento da contribuição previdenciária dos servidores. A Câmara ainda inseriu na proposta a possibilidade de ajuda aos estados em situação de calamidade financeira, com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Michel Temer vetou essa ajuda, e pretende apresentar novo projeto sobre o tema em 2017. (PLP 257/2016, Lei Complementar 156/2016).
Direito à comunicação
35. EBC. Michel Temer propôs medida que acaba com a autonomia da Empresa Brasil de Comunicação. Ela permitirá que o Planalto indique e demita livremente o presidente da EBC e extingue o conselho curador da EBC, composto por representantes da sociedade civil, do Congresso Nacional, do Governo, e dos funcionários da empresa, com função de garantir a pluralidade de visões nos veículos da empresa. A medida vai na contramão das práticas democráticas de comunicação pública mundo afora, segundo as quais se criam empresas públicas de comunicação que não são estatais, ainda que prestem contas ao governo. (MP 744/16).
36. 100 bi às operadoras. Foi aprovado, em sete dias corridos, com apoio do governo Temer e sem debates, em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado, um projeto que “transforma as concessões de telecomunicações em autorizações e transfere uma infraestrutura estratégica da União, avaliada em R$ 100 bilhões, para o patrimônio privado das operadoras”. A proposta, como aponta o Intervozes, “resultará no fim da universalização dos serviços de telecomunicações, pode elevar preços de conexão e deixar regiões interioranas desconectadas”. (PLC 79/2016).
Devido processo legal
37. Exceção legalizada. Foram apresentadas pelo Ministério Público Federal “dez medidas contra a corrupção”. A proposta, na prática, legalizava medidas de exceção como admissão de provas ilícitas, restrição ao habeas corpus, restrição grave à prescrição dos crimes e limitação à defesa e teste de integridade, ampliação excessiva do rol de crimes hediondos, etc. Como aponta o Subprocurador-Geral da República Eugênio Aragão, o que o MPF quer é um projeto de “interesse corporativo”, que expande suas competências, criando obstáculos à defesa. O texto das 10 medidas foi, em seus principais pontos, rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e seguiu agora para o Senado (PL 4850/2016).
38. Terrorismo. O legislativo aprovou a lei que tipifica o terrorismo no Brasil. Apesar da ressalva que exclui de seu texto a atuação de movimentos reivindicatórios, a lei é perigosa pois traz conceitos indeterminados. O Conselho Nacional de Direitos Humanos e pelo menos 80 movimentos sociais foram contrários à proposta. (Lei ordinária 13.260 de 2016).
39. Criminalização dos movimentos sociais. Hoje ao menos dois projetos de lei pretendem agravar a legislação antiterror. Um deles resgata os dispositivos vetados pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff. Assim, criminaliza os atos de ato de incendiar, saquear, depredar meios de transporte, agências bancárias, lojas e prédios públicos – o que implica em pena excessiva a condutas contra o patrimônio. Outro inclui a finalidade política como elemento a caracterizar o terrorismo, com o intuito de restringir movimentos reivindicatórios, ferindo a liberdade de expressão e a democracia. (PLS 272/2016 e PL 5065/2016).
Direito ao voto
40. Parlamentarismo. O Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a adoção do parlamentarismo, ainda não instalada. Tramita no STF um mandado de segurança (MS 22.972) que questiona se é possível a mudança de um sistema de governo via emenda Constitucional. O MS foi pautado em março, mas não foi ainda julgado. Nas informações que prestou ao STF, o Presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, manifestou-se favorável ao parlamentarismo. Por esse sistema, os cidadãos não têm o direito de voto direto para o cargo de Presidente da República.
Elaboração
Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), IESP-UERJ
Apoio
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
Conectas Direitos Humanos
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar