Áreas indígenas podem ser revistas

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Os processos envolvendo demarcações e delimitações de áreas indígenas poderão ser revistos na região. A declaração é do procurador do Estado, Rodinei Candeia, que integrou o grupo de transição do governo de Jair Bolsonaro (PSL). O assunto veio à tona após a publicação de uma medida provisória, assinada pelo presidente recém-empossado, transferindo essas atribuições para o Ministério da Agricultura.

Até então, a responsabilidade pelas terras indígenas era da Fundação Nacional do Índio. As demais atribuições da Funai foram repassadas à pasta de Direitos Humanos. A regularização de terras quilombolas, função antes desempenhada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), também foi passado à Agricultura.

Na prática, essa mudança pode trazer consequências significativas para comunidades indígenas. Candeia alega que há irregularidades em reservas próximas de Passo Fundo e que algumas até foram revistas em função disso. “Aqui mesmo em Erechim, foi anulada uma demarcação porque houve irregularidades e até coisas grotescas no processo de identificação. Em Sananduva também foi anulado. O caso de Mato Castelhano não é muito diferente”, cita, como exemplo.

Segundo o procurador, a possibilidade dessas áreas serem reavaliadas é porque tais demarcações “foram mal feitas” e não obedecem a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), conhecida como Marco Temporal. Porém, ainda não foi definido como serão feitas as revisões dos processos e como será procedido frente às possíveis denúncias recebidas. “Não foi montado como isso vai acontecer, é uma nova etapa e vai demorar algum período até que isso seja organizado”, esclareceu Candeia.

“Distorções e falta de credibilidade”

De acordo com o procurador, a decisão pela transferência da Funai foi oriunda de um levantamento que identificou “inúmeras distorções graves com autodeclaração de pessoas que não são indígenas, muitas invasões violentas de terras”, além de um clima de insegurança e violência.

Tal pesquisa apontou 126 fazendas invadidas no Mato Grosso do Sul e mais de 100 no sul da Bahia, conforme Candeia. Outra questão identificada pelo grupo foi a dificuldade em acessar os processos de demarcação. “A partir do momento em que é feita a invasão, pede-se que seja feita a demarcação e a Funai começa o processo. Monta um grupo de trabalho que é coordenado por um antropólogo terceirizado. Esse antropólogo geralmente é vinculado ao Centro de Trabalho Indigenista, que é uma das ONGs que patrocina todo esse movimento. Começa a correr dentro da Funai esse processo de delimitação e demarcação sem que ninguém tenha acesso até a finalização do último relatório”, explica.

Candeia argumenta que a Funai iniciava o processo, instruía-o e julgava, o que, segundo ele, acabava comprometendo a credibilidade e permitindo distorções. “Se está preocupado só com a demarcação, ou seja, de mais áreas e mais terras, e ninguém fala na qualidade de vida das comunidades indígenas. Eles estão hoje na miséria, com poucos aproveitando dos edifícios de arrendamentos e a grande maioria tem os piores índices de saúde, educação e desenvolvimento. Isso tem que ser o foco da Funai agora: como fazer para recuperar a cidadania e a dignidade das pessoas indígenas”, complementou.

“Se está preocupado só com a demarcação, ou seja, de mais áreas e mais terras, e ninguém fala na qualidade de vida das comunidades indígenas. Eles estão hoje na miséria, com poucos aproveitando dos edifícios de arrendamentos e a grande maioria tem os piores índices de saúde, educação e desenvolvimento”.

Rodinei Candeia, procurador do Estado e integrante da equipe de transição do governo Bolsonaro

Aumento de disputas

A decisão do governo Bolsonaro deve agravar os conflitos fundiários entre indígenas e agricultores, na opinião do professor e membro da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) Paulo Carbonari. “Colocar a questão indígena, ou parte da questão indígena, sobretudo no que diz respeito à demarcação das terras, como responsabilidade do Ministério da Agricultura, que existe para os interesses dos ruralistas e que é comando por uma ruralista (Teresa Cristina) que historicamente tem tido posições contrárias aos indígenas no Mato Grosso Sul, é assumir um lado do conflito”, argumenta.

De acordo com Carbonari, a história dos povos indígenas no Brasil é marcada, ao mesmo tempo, por ataques sofridos, desde a chegada dos portugueses, e por resistência. “Há, nos últimos anos, um conflito aberto entre empresários rurais, conhecidos como ruralistas, e indígenas. É um conflito desfavorável aos povos indígenas, que têm tido perdas incríveis nas questões de demarcação das suas terras e das condições de organização da sua vida”, explica.

Por entender que os indígenas são a parte mais vulnerável nestas disputas, a entidade se posiciona em favor deles. “Essa decisão (de transferir a responsabilidade das demarcações de terras para a pasta da Agricultura) desfavorece aqueles que ao longo da história sempre estiveram do lado mais fraco. As pessoas sempre dizem que os Direitos Humanos estão contra as vítimas e a favor dos agressores. Nós estamos a favor das vítimas: os indígenas”, pontuao professor.

A postura da CDHPF, e de outras entidades de apoio aos direitos humanos, será o de acompanhar de perto os conflitos. “Houve uma missão, há dois anos, que avaliou a situação indígena aqui no sul do país. Nós estamos acompanhando isso e reportado aos órgãos de Direitos Humanos e ao Ministério Público e vamos continuar acompanhando. Eu entendo que é um dever nosso, como organização, defender aqueles que estão mais vulneráveis e serão mais atacados por essa decisão”, finaliza.

“Colocar a questão indígena, ou parte da questão indígena, sobretudo no que diz respeito à demarcação das terras, como responsabilidade do Ministério da Agricultura, que existe para os interesses dos ruralistas e que é comando por uma ruralista (Teresa Cristina) que historicamente tem tido posições contrárias aos indígenas no Mato Grosso Sul, é assumir um lado do conflito”, Paulo Carbonari, professor e representante da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo

Terras indígenas no RS

As terras indígenas possuem quatro modalidades diferentes: Tradicionalmente Ocupadas, Reservas Indígenas (quando se destinam à posse permanente dos povos indígenas), Terras Dominicais (de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil) e Interditadas (aquelas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área).

Segundo dados extraídos do site da Funai, há 48 áreas indígenas em solo gaúcho. 44 estão na modalidade de tradicionalmente ocupadas. Destas, 18 estão em fase de estudo no processo administrativo e 17 estão regularizadas. As demais estão declaradas (7) ou delimitadas (2). As outras quatro áreas são consideradas reservas indígenas: três delas estão regularizadas e uma está em estudo.

Fonte: Extraído de O Nacional
Foto: Gerson Lopes/ON

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