Ravena Carmo trabalha com oficinas para adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em unidades de internação no Distrito Federal. Sua história foi contada domingo passado no programa Fantástico, da TV Globo.
Ravena Carmo saiu da ‘quebrada’ de Planaltina (DF) em 2005 para cumprir dois anos e meio de medida socioeducativa no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) em Brasília por ter cometido um ato infracional, que poderia condená-la a uma espiral de violência e exclusão. Mas no meio de seu caminho havia um educador inspirador, preocupado com a inclusão das e dos adolescentes num processo amplo de aprendizagem, ensinando matemática por meio do teatro. Isso pegou Ravena de jeito. E sua vida mudou para sempre.
“Eu não gostava de matemática, mas gostava de ir às aulas dele, porque eram inclusivas”, lembra Ravena, 27 anos, hoje quase formada em Ciências Naturais na Universidade de Brasília (UnB), no campus de Planaltina. “Escolhi ser professora porque é uma dívida que eu tenho com a educação. Quero repassar isso às adolescentes que estão presas e merecem ter uma nova chance na vida.”
A história de Ravena foi contada domingo passado (5/2) no programa Fantástico, da TV Globo – do crime que cometeu à redenção e a deliberada escolha de jamais renunciar à ‘quebrada’. Foi nela que Ravena se criou, caiu e levantou. Não apenas sobreviveu como saiu fortalecida da experiência, e voltou para mostrar às outras adolescentes ainda internadas que existem sim saídas. “O sistema de medida socioeducativa aqui no DF é falido, é um estado de guerra permanente que a gente vive lá dentro”, lembra Ravena. “Por isso escolhi ser professora, porque é uma dívida que tenho com a educação, que me tirou de onde eu estava e me deu novos e poderosos horizontes.”
Ravena lembra até hoje a emoção que foi retornar a uma unidade de internação, desta vez como educadora. “Eu ainda me via do outro lado, como as adolescentes internas. Ainda não me reconhecia como educadora, professora. No primeiro dia que fui lá, achei que ia ser revistada.” A ficha de que era um novo momento em sua vida só caiu quando um dos internos que participariam de sua aula a chamou de ‘professora’. “Foi aí que me liguei que tinha que me empoderar como professora, e foi o que fiz. Eu tinha que assumir meu papel, não queria apenas contar minha história de vida, queria fazer um trabalho social forte com eles.”
A decisão de atuar como professora em unidades de internação foi tomada depois que descobriu um projeto em sua faculdade chamado Educação e Psicologia: mediações possíveis em tempo de inclusão. Se informou e viu que tinha um eixo da socioeducação, realizada na Unidade de Internação de Planaltina, sua cidade natal. Pronto, sua sorte estava selada. “Na semana seguinte eu já estava na unidade, dando oficinas com o tema “O que eu preciso para viver?”, que rendeu depois um artigo apresentado no Seminário Brasileiro de Psicologia, publicado depois num livro do projeto, lançado em 2016.
“Encontrei jovens que me conheceram quando eu estava presa, e agora eu estava ali numa posição diferente, eu me transformei num ponto de referência para eles”, lembra Ravena, acrescentando que em nenhum momento houve sinal de ciúmes ou inveja por sua nova posição. “Pelo contrário, eles me incentivavam. Até os agentes que trabalhavam nas unidades me deram apoio. Alguns ficaram chocados por eu ter dado a volta por cima de maneira tão significativa.”
Ravena conheceu o projeto Onda em 2014, por meio de uma publicação do Facebook de Marcia Acioli, assesora política do Inesc, que procurava jovens que já tinham cumprido medida socioeducativa e eram contra a redução da idade penal. “Sou contra porque é melhor educar do que punir, e assim não gastaríamos tanto dinheiro construindo unidades de internação e presídios, e sim construindo escolas.”
No projeto Onda, Ravena começou a trabalhar nas monitorias como voluntária, e depois dando oficinas de poesias para as adolescentes da Unidade de Internação de Santa Maria (UISM). “Contava minha história para elas, era muito emocionante.” Mas Ravena quer fazer a diferença de uma maneira mais profunda. “Não quero ser conhecida por elas apenas por causa de minha história. Quero ser reconhecida como profissional da educação e assim fazer realmente a diferença na vida delas.”