O país que mais mata, mais armado

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Publica originalmente em Outra Saúde. Texto de Maíra Mathias. Publicado em 16 de janeiro de 2019.

O atual governo assinou ontem o decreto que facilita a posse de armas no Brasil. Como nota a Folha, é a primeira medida de impacto nacional anunciada em cerimônia pública pelo presidente desde que assumiu o Planalto. Um ato simbólico com efeitos muito práticos e possivelmente deletérios no país que, antes do decreto, já ocupava o primeiro lugar no ranking das nações que mais matam com armas de fogo no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. 

A mudança flexibiliza vários pontos. Por exemplo: a renovação do registro de posse passa de cinco para dez anos. A pessoa não precisa mais, a cada duas renovações deste registro, comprovar capacidade técnica para o manuseio da arma. Antes, a regra dizia que a posse seria concedida a quem explicitasse fatos e circunstâncias para justificar o pedido. Agora, isso ficou detalhado e é bastante amplo: quem mora numa área urbana violenta está justificado. 

“Esse é apenas o primeiro passo!”, tweetou Bolsonaro ontem no final da tarde. Ele quer negociar mais mudanças com parlamentares. Eles estão preparados, a julgar pela declaração do líder da bancada da bala, Capitão Augusto (PR-SP): “Agora nós vamos para o porte.” E até cravou: “Acreditamos que conseguimos aprovar a flexibilização do porte até agosto.” Tramitam no Congresso nada menos do que 187 projetos que tentam mudar o Estatuto do Desarmamento, lei federal em vigor desde dezembro de 2003. A maior parte deles quer, justamente, flexibilizar as regras para andar na rua armado, restrita hoje a agentes de segurança e pessoas que comprovem que o exercício da sua profissão envolve risco. Para especialistas, o Brasil irá na contramão da tendência mundial de restrição caso flexibilize o porte. E, até, contra a vontade popular: segundo pesquisa Datafolha, 61% dos brasileiros são contrários à posse de arma.

O risco de que crianças e adolescentes tenham acesso a armas é ‘resolvido’ pelo decreto com a exigência de que o requerente da posse apresente uma declaração de que tem um cofre ou um recinto fechado à chave em casa para guardar o artefato. A frase mais bizarra do dia veio do ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, que comparou os riscos de uma arma ao de um eletrodoméstico: “Às vezes a gente vê crianças pequenas que colocam o dedo no liquidificador, ligam o liquidificador vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador?”

De acordo com o Mapa da Violência, sem o Estatuto do Desarmamento em 2013 – dez anos depois da sua aprovação, portanto – teriam ocorrido 133 mil assassinatos a mais, dado o ritmo de crescimento de mortes verificado nos anos anteriores.

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